De
manhã, mal o dia clareava, ao sair do meu quarto para ir à copa, encontrei a
porta fechada, mas não chaveada.
Não
é hábito acontecer isso, por isso estranhei o fato. Enquanto preparava o meu
guaranazinho ralado, fiquei pensando o que teria motivado a minha cuidadora
noturna a não deixar como sempre a porta escancarada.
Volto
ao meu escritório que chamo de ‘sala de partos’. É o local onde nascem os meus
textos. Percebo que a minha cuidadora preparava o café na cozinha. Procurei-a,
e fui direto ao assunto da porta fechada. Ela sorriu para mim e disse que já
esperava por isso. E me deu a seguinte explicação:
-
Ontem à noite o senhor foi dormir e eu fiquei assistindo pela TV, A Fazenda de
Verão. Ainda não perdi nenhum capítulo, e gostaria que fosse o ano todo. É
muito divertido. Pena que o senhor não tenha paciência para assistir. Também
passa muito tarde, e para quem acorda antes das galinhas, não dá mesmo para
assistir.
-
Tá legal, é isso mesmo – disse. – Mas, e a história da porta fechada?
-
Então, como ia dizendo, estava distraída com o banho de chuveiro de uma
participante, quando senti uma coisa tentando subir nas minhas pernas. Olho
para baixo e vejo um enorme morcego pregado em minha perna. Dei-lhe um safanão,
ele caiu e se escondeu. Aí, saí a sua procura.
Agora
quando! Não encontrei o animal!
Mas,
tinha certeza que ele estava escondido em algum lugar da casa. Fechei a porta
da copa, terminei de assistir a mais uma edição de ‘A Fazenda de Verão’ e fui
para o meu quarto, onde dormi também com a porta fechada.
Ela
fez uma pausa, deu um longo suspiro, tomou fôlego e finalizou a sua epopéia com
o morcego.
-
Então doutor, com toda a certeza, o bicho ainda está por aqui e irá passar o
dia sem ser descoberto. Sabe? O morcego não gosta da luz do sol, e deve estar
bem escondido. Mas, à noite, irá tentar sair do seu esconderijo para procurar
alimento.
Deverá
estar fraco com tanto tempo sem alimentar-se. Foi isso que aconteceu.
Aceitei
e agradeci a explicação - e a rápida aula sobre morcegos e o diagnóstico feito.
Fui tratar dos meus afazeres.
A
noite chegou. Nem me lembrava mais do tal morcego e as previsões da minha
cuidadora. Fui para a ‘sala de partos’ e começo a digitar um texto sobre as
flores da Chapada.
De
repente ouço um barulho. Aguço o ouvido. O ruído era semelhante ao produzido
pelo vento em uma porta entreaberta. O ruído se repete com frequência.
Estranhei, pois não ventava naquele momento. Chamo pela minha cuidadora.
Silêncio.
Aí
me lembrei que ela me contou que, por conta da duplicação de uma ponte para a
Copa do Mundo, o trajeto da sua casa até aqui está demorando, em média, duas
horas. Ela ainda não havia chegado.
Resolvi
então levantar para entender o que acontecia em minha casa. Dou de cara com um
enorme morcego estrebuchando na porta do banheiro da ‘sala de partos’. Era o
morcego da minha cuidadora.
Ele
não tinha mais forças e estava morrendo de inanição. Tinha que, urgentemente,
dar um jeito naquela situação.
Encho-me
de coragem, tento vencer certa repugnância e vou à cozinha. De lá trago um
chumaço daquele papel branco e poroso - onde é colocado o pastel após a
fritura. Enrolo nele o bichinho e o devolvo à natureza. Era tarde demais.
De
todo este episódio eu aprendi duas coisas importantes: quem vive sozinho tem
que estar preparado para enfrentar qualquer imprevisto; a vida é um eterno
aprendizado.
Quem
diria que, após setenta e sete anos, eu iria capturar o meu primeiro morcego!
Gabriel Novis Neves
07-11-2012
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