sábado, 20 de outubro de 2012

Carreatas


Bem antigamente, as eleições municipais em Cuiabá eram mais criativas e emocionantes. Havia uma polarização e rotatividade do poder entre os dois grandes partidos da época.
Quem não era do PSD, era da UDN. A paixão dominava o período pré-eleitoral. Cada partido era proprietário do seu próprio jornal.
A UDN tinha o seu apimentadíssimo jornal impresso em papel amarelo. Era o “Combate” ou como diziam os seus adversários – “O Cão Bate”.
O PSD vinha com o seu salgado “Social Democrático.”
Bons tempos em que a política era o exercício da cidadania.
Toda a cidade participava desses embates eleitorais, e muitas inimizades surgiam nesse afloramento emocional.
A nata da intelectualidade cuiabana escrevia nos jornais e, à noite, desfilava a sua cultura pelos comícios realizados nos bairros da minha Cuiabá.
Crianças, adultos, idosos, homens e mulheres constituíam o seleto público dos charmosos comícios, onde só não podia era xingar a mãe do candidato. O resto era resto, e tudo era válido.
Sinto uma ponta de nostalgia desse tempo sem marqueteiros e assessores para tudo, que, a bem da verdade, não servem para nada.
Revelar para as gerações atuais que a pequena ponte do Baú - que nem existe mais - ganhou uma eleição para a prefeitura de Cuiabá, é algo inimaginável.
Meu pai sempre que voltava para casa, após o longo expediente no Bar do Bugre, centro de vivência e fofoca da cidade nesse período, trazia para a minha mãe um panfleto apócrifo.
Criança não podia ler. O seu conteúdo era fortíssimo e, o melhor, muito bem humorado.
Certa ocasião eu peguei um desses de final de campanha do paletó do meu pai. Li escondido no banheiro. No dia seguinte fui me confessar para comungar. Tinha pecado.
Nós fomos passando, e o período eleitoral virou um bom momento para inescrupulosos se locupletarem de recursos sem origem declarada.
Virou um negócio que movimenta milhões esse tal do período eleitoral.
Vadios, desocupados, desempregados, golpistas, utilizam de toda a malandragem para arrumar algum, que para poucos, é montão.
As carreatas custam muita grana. Os subprodutos dessa festa movimentam milhões de reais. Jatinho pra cá, jatinho pra lá, almoços, jantares para arrecadar fundos para comprar votos.
Dia desses fui obrigado a parar por longo tempo para uma carreata passar.
Muito som, bandeiras, faixas, adesivos, santinhos e um coral inusitado.
Milhares de pessoas sincronizadas gritavam no ritmo do bombo: ‘land rover’.
Meu neto, que me acompanhava, diante de tamanha ovação para o ‘land rover’, me perguntou quem era esse candidato.
Disse-lhe que era marca de jipe que o governo pagou e nunca viu o produto, e que seria utilizado para fiscalizar as nossas fronteiras em substituição aos aviões não dirigíveis.
A carreata passou, e voltei para casa para registrar esse momento dos tempos modernos.

Gabriel Novis Neves
17-10-2012

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