quarta-feira, 6 de junho de 2012

CONVERSA COM UM GARI


Uniformizado, empurrando um carrinho coletor móvel, barba por fazer, cigarro apagado no canto da boca, idade indefinida.
Feição simpática, riso fácil. Olhar vivaz e matreiro. Comanda, com ar de dever cumprido, o vai e vem da sua vassoura de folha de coqueiro.
Estou falando do gari que diariamente encontro no trajeto da minha caminhada matinal.
Aproveitando a calmaria da cidade pela manhã, resolvi entabular uma conversa com aquela figura tão presente no meu dia a dia.
Sempre tive curiosidade de conhecer, não academicamente, a história das ruas. Parei diante do trabalhador, cumprimentei-o e disse que gostaria de lhe fazer algumas perguntas.
      - É uma satisfação para mim – falou o gari sorrindo.
      - Durante todo esse tempo que o senhor trabalha nesta área, considerada chique, o que o senhor encontrou de mais interessante misturado ao lixo?
Ele pensou por alguns segundos e indagou:
      - O senhor quer saber se já encontrei algum objeto de valor?
      - Pode ser - respondi.
      - Moço, de vez em quando eu encontro uma moedinha. A de maior valor, e a mais frequente, é a de cinco centavos. Mais do que isso, nunca.
      - Além das moedinhas? Que mais você encontra pelas ruas?
      - Coisas que não servem para nada, como guarda-chuva quebrado, um pé de sandália velha, roupas imprestáveis, muita caixa de remédio vazia. Só besteiras assim – respondeu.
      - Ah! Estava me esquecendo. Certa ocasião eu encontrei um anel que parecia de ouro e uma pedra no meio. Dei à minha mãe que já está velhinha e nunca usou uma joia por falta de dinheiro para comprar. O senhor precisava ver a alegria da minha mãe quando coloquei o anel no seu dedo. Quase chorei de ver.
      - Conte mais alguma coisa sobre os seus achados.
      - O senhor sabe que começo o serviço naquela Praça que chamam de Chopão – ele falou apontando o local com o dedo. Depois sorriu e esclareceu:
      - Ali encontrei coisas diferentes, acho que o senhor vai se espantar se eu contar.
      - Pode falar à vontade. Dificilmente irei me espantar com mais alguma coisa nesta vida. E tudo que você me falar é importante, pois o limpador das ruas é o melhor fotógrafo da cidade.
      - Sou?
      - É sim. E tem mais: você é o melhor professor de sociologia e antropologia de uma cidade. Se pudesse te contrataria para uma aula na universidade.
      Ele me olhou desconfiado e sorriu. Meio constrangido exclamou:
      - Que é isso moço! O senhor não está exagerando?
É. Talvez eu tenha exagerado na imagem. Fiquei receoso que ele pensasse que eu estava debochando dele. Mas, não. Ele prosseguiu sério e me disse:
     Na Praça do Chopão, diariamente, com permissão da palavra, encontro camisinhas, aquela que dizem que evita filhos.
      - O senhor atribui esse achado a algum fato?
      - Acho que a causa é a péssima iluminação da praça. Também tem os bancos que, depois de certa hora, são utilizados como cama. Quantas vezes eu chego para o trabalho, ainda escuro, e pego o pessoal deitado no banco feito cama, na maior sem vergonhice desse mundo.
      - E o senhor já tomou alguma providência?
      - Moço, a minha função é limpar a praça, se eu ficar metendo o bedelho no trabalho dos outros, acabo perdendo o emprego.
      - Obrigado por me atender. Bom dia.
      - Agora, de quê! Aparece daqui um tempinho que vou reparar mais nas coisas que encontro por aí. Bom dia para o senhor também.
Estava afastando-me do local da conversa quando ouvi o gari murmurando consigo mesmo:
- Aparece cada um...
Esse foi um rápido depoimento de um trabalhador das ruas. Através dele vi confirmar, tristemente, a total ausência de cidadania do povo da minha terra. Afinal, “lugar de lixo é no lixo”. Cuiabá merece que cada um faça a sua parte.
Trabalho de gari. Um trabalho, considerado por muitos, menos digno, mas, imprescindível à nossa coletividade.

Gabriel Novis Neves
22-02-2012

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