Uniformizado,
empurrando um carrinho coletor móvel, barba por fazer, cigarro apagado no canto
da boca, idade indefinida.
Feição
simpática, riso fácil. Olhar vivaz e matreiro. Comanda, com ar de dever
cumprido, o vai e vem da sua vassoura de folha de coqueiro.
Estou
falando do gari que diariamente encontro no trajeto da minha caminhada matinal.
Aproveitando
a calmaria da cidade pela manhã, resolvi entabular uma conversa com aquela
figura tão presente no meu dia a dia.
Sempre
tive curiosidade de conhecer, não academicamente, a história das ruas. Parei
diante do trabalhador, cumprimentei-o e disse que gostaria de lhe fazer algumas
perguntas.
- É uma satisfação para mim – falou o gari sorrindo.
- Durante todo esse tempo que o senhor trabalha nesta área, considerada chique,
o que o senhor encontrou de mais interessante misturado ao lixo?
Ele
pensou por alguns segundos e indagou:
- O senhor quer saber se já encontrei algum objeto de valor?
- Pode ser - respondi.
- Moço, de vez em quando eu encontro uma moedinha. A de maior valor, e a mais
frequente, é a de cinco centavos. Mais do que isso, nunca.
- Além das moedinhas? Que mais você encontra pelas ruas?
- Coisas que não servem para nada, como guarda-chuva quebrado, um pé de
sandália velha, roupas imprestáveis, muita caixa de remédio vazia. Só besteiras
assim – respondeu.
- Ah! Estava me esquecendo. Certa ocasião eu encontrei um anel que parecia de
ouro e uma pedra no meio. Dei à minha mãe que já está velhinha e nunca usou uma
joia por falta de dinheiro para comprar. O senhor precisava ver a alegria da
minha mãe quando coloquei o anel no seu dedo. Quase chorei de ver.
- Conte mais alguma coisa sobre os seus achados.
- O senhor sabe que começo o serviço naquela Praça que chamam de Chopão – ele
falou apontando o local com o dedo. Depois sorriu e esclareceu:
- Ali encontrei coisas diferentes, acho que o senhor vai se espantar se eu
contar.
- Pode falar à vontade. Dificilmente irei me espantar com mais alguma coisa
nesta vida. E tudo que você me falar é importante, pois o limpador das ruas é o
melhor fotógrafo da cidade.
- Sou?
- É sim. E tem mais: você é o melhor professor de sociologia e antropologia de
uma cidade. Se pudesse te contrataria para uma aula na universidade.
Ele me olhou desconfiado e sorriu. Meio constrangido exclamou:
- Que é isso moço! O senhor não está exagerando?
É.
Talvez eu tenha exagerado na imagem. Fiquei receoso que ele pensasse que eu
estava debochando dele. Mas, não. Ele prosseguiu sério e me disse:
Na
Praça do Chopão, diariamente, com permissão da palavra, encontro camisinhas,
aquela que dizem que evita filhos.
- O senhor atribui esse achado a algum fato?
- Acho que a causa é a péssima iluminação da praça. Também tem os bancos que,
depois de certa hora, são utilizados como cama. Quantas vezes eu chego para o
trabalho, ainda escuro, e pego o pessoal deitado no banco feito cama, na maior
sem vergonhice desse mundo.
- E o senhor já tomou alguma providência?
- Moço, a minha função é limpar a praça, se eu ficar metendo o bedelho no
trabalho dos outros, acabo perdendo o emprego.
- Obrigado por me atender. Bom dia.
- Agora, de quê! Aparece daqui um tempinho que vou reparar mais nas coisas que
encontro por aí. Bom dia para o senhor também.
Estava
afastando-me do local da conversa quando ouvi o gari murmurando consigo mesmo:
-
Aparece cada um...
Esse
foi um rápido depoimento de um trabalhador das ruas. Através dele vi confirmar,
tristemente, a total ausência de cidadania do povo da minha terra. Afinal,
“lugar de lixo é no lixo”. Cuiabá merece que cada um faça a sua parte.
Trabalho
de gari. Um trabalho, considerado por muitos, menos digno, mas, imprescindível
à nossa coletividade.
Gabriel Novis Neves
22-02-2012
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