sexta-feira, 16 de março de 2012

DOIS MESES


Completei dois meses que, cirurgicamente, retirei um tumor maligno da pele da cartilagem do meu nariz.
Sinto-me curado e, pelo que diz a imprevisível medicina, não tenho motivos para preocupações.
O tipo de câncer de pele que me atacou não produz metástases, mas poderá voltar em outra parte da pele, o maior órgão do corpo humano.
Se isso acontecer vou torcer para que tenha o mesmo sobrenome daquele que morou na aba do meu nariz.
Desse tipo existem três sobrenomes (tipo histológico) diferentes. O meu é considerado muyamigo, e é tratado intimamente de baso.
Sua grande virtude é não sair da sua casa (metástase) para outras regiões.
O cirurgião para tapar o buraco que ficou com a retirada do “meu amigo” teve que fazer uma cobertura especial, chamada de enxerto de pele, pois não se consegue aproximar com fios uma cartilagem do nariz.
Não tive nenhuma complicação nesse pós-operatório remoto. Única recomendação médica foi que usasse pequena placa de silicone, para facilitar o nivelamento da pele implantada.
Fiquei esse tempo todo com a cobertura visível no nariz. No início algumas pessoas ainda me perguntavam o que era aquilo, mas isso foi temporário. Logo todos se acostumaram com aquela situação.
Situação semelhante nós observamos quando alguém encontra pela primeira vez crianças dormindo na rua. A reação é de revolta. Após a primeira semana, as crianças são vistas como mais um problema do governo, e o sentimento de indignação desaparece.
Essa doença que tive é vista pela sociedade com certo preconceito, e foi muito importante para mim.
Precisava, e preciso ainda, de muitas lições para tentar entender essa fantástica criatura que é o ser humano.
Tão forte e tão poderoso, torna-se admirável pela sua extrema fragilidade para enfrentar as pedras colocadas no caminho da vida.
Retirei o curativo no período das festas de Momo. Proibido de tomar sol, fiquei em casa com tranquilidade, saindo apenas para a caminhada e a passada na padaria.
O dermatologista orientou-me para, de vez em quando, dar um descanso ao rosto evitando a barba diária. 
A unanimidade queria saber se depois de velho iria usar barba revolucionária.
Em um país em que as mulheres não possuem pelos e no carnaval a fantasia predileta é a pintura do corpo nu, uma barba de cinco dias chega a assustar.
E viva a minha cura! Mesmo com as invencionices do capitalismo decadente da venda de corpos femininos pintados na Sapucaí.
Não é a toa que a indústria que mais cresce no mundo é a pornográfica, e, a que mais decresce no Brasil, são hospitais e pesquisas para a cura do câncer.

Gabriel Novis Neves
27-02-2012

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