sábado, 13 de agosto de 2011

COMPANHEIRA

Passei boa parte da manhã na casa da Companheira. Seu pai é um conhecido jornalista.

Quando cheguei, ela veio me receber na porta do seu elegante condomínio com aquele seu jeito estabanado - demonstração de pura alegria e felicidade.

Dançava ao meu redor, pulava em cima de mim, me arranhava com suas unhas afiadas, mordiscava minhas canelas com seus, também afiados, dentes. Juro que toda esta demonstração de alegria me criou certo constrangimento, e até mesmo o receio de um acidente.

Explico: é que depois de ter tropeçado na calçada e desabado no chão, ganhando com isso duas ripas de costelas quebradas e um trauma na mão, me acovardei com certas brincadeiras. Não sei se resisto a outro tombo.

Percebendo meu desconforto, o pai levou-a – sob protestos - para a suíte da casa. Lá ela ficaria quieta assistindo aos jogos de areia em Copacabana. Com a disciplina restabelecida na mansão do jornalista, pudemos tranquilamente conversar.

Ele (o pai) achou por bem me dar algumas informações sobre a Companheira. Disse-me que está educando-a para a vida. O seu desejo é que um dia ela seja alguém, nesta terra de ninguém. Cuida com muito esmero dos mínimos detalhes da vida da Companheira.

Sua alimentação é direcionada pela fome, que cria o estímulo da sobrevivência. Ela não tem aquela enjoeira para comer - tão comum na sua idade. Alimenta-se de tudo: jiló, chuchu, quiabo, pimentão, alho, cebola, azeitona verde com caroço, banana com casca, limão, anzol de piraputanga, enfeite de geladeira com imã, fios de um modo geral. Legumes, só crus.

Nunca foi vacinada. O banho acontece uma vez por semana no Rio Cuiabá, que fica em frente ao seu palacete. Na geladeira o seu almoço estava pronto. Uma manga madura colhida antes da chuva da manga. É um teste para cólicas intestinais ou outros distúrbios gástricos.

Conheci a Companheira recém-nata e acompanhei o seu desenvolvimento físico e psicológico. Ganhou peso, é possuidora de forte personalidade e de uma aguçada inteligência. Mantêm com seu pai uma relação gratificante.

Lá pelas tantas, um jovem casal amigo veio chamar a Companheira para um passeio pelo bosque. Pediu permissão ao pai (ela foi abandonada pela mãe), vestiu um casaco especial e lá se foi com seus amigos, toda alegre e saltitante.

Assim é a vida da Companheira, que está sendo educada para ocupar um lugar de destaque na vida política e social do nosso país. Preocupo-me com a sua falta de religiosidade e com a ausência da figura materna. Outra preocupação: noto traços de guerrilheira no seu comportamento e uma profunda rejeição ao sexo masculino.

Mas o tempo é o senhor de tudo (perdão pelo chavão), e ele me mostrará se as minhas preocupações têm fundamento.

Gabriel Novis Neves

07-08-2011

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