segunda-feira, 16 de maio de 2011

MÃO MOLHADA

Assim que retornei a Cuiabá, após 12 anos afastado para estudar, fui trabalhar na antiga Maternidade. Lembro-me até hoje de um episódio ocorrido quando atendia a uma das minhas primeiras parturientes.

A jovem pertencia a uma enorme e conhecida família de políticos. O quarto da paciente estava sempre lotado, com gente espalhada pelos corredores. Outros, ficavam em frente à Casa de Partos, embaixo de uma imensa árvore, que não produzia frutos e, sim, sombra.

Pois bem. Com muita dificuldade, educadamente pedindo, “dá licença, dá licença,” consegui me colocar em condições de examinar a minha cliente, agora mamãe.

Nessa hora chegou ao quarto a atendente do hospital, toda uniformizada de branco, gorro na cabeça e bandeja na mão.

Esperei que realizasse o procedimento. Isto feito, percebi que a mãe da parturiente, com uma enorme bolsa de couro preta a tiracolo, levantou-se do sofá e a acompanhou até a saída do quarto.

Minutos após retornou com ares de felicidade e piscou um olho para mim. Esse era um velho sinal utilizado aqui na ex-Cidade Verde, que traduzia o desejo de falar com alguém confidencialmente.

Entendi a mensagem e respondi com outro piscar de olhos. Estávamos entendidos. Na minha saída do quarto ela me acompanhou até a escada de saída da velha maternidade.

Ela então começou a me doutrinar:

- Doutor, o senhor está começando a sua vida profissional e não sabe como as coisas funcionam por aqui. Para a gente ser bem atendida, tem que molhar a mão do pessoal. Se não molhar, a coisa não funciona como a gente deseja.

Fiquei escutando aqueles conselhos boquiaberto.

Ela continuou:

- Esse pessoal ganha tão pouco, e molhar a mão funciona como motivação. Não vê que estamos sendo tratados a pão de ló? Eu tenho um pigarro de tanto fumar. Comecei cedo, no sítio, com cigarro de palha. Agora fumo Continental, que não é a mesma coisa, mas na rua resolve. Em casa é o de palha com café forte.

- Doutor - prosseguiu ela -, de vez em quando dou aquela tossida, e o povo vem desabalado para o quarto saber o que estava acontecendo. Saem todos com as mãos molhadas. O senhor não percebeu?

Não respondi, mesmo porque não tinha o que falar. Ainda bem que não tínhamos testemunhas daquela conversa esquisita. E continuei a escutar:

- Fiz questão de avisar o senhor, confidencialmente, porque na visita noturna esse povaréu com certeza não estará aqui. Vão ao velório de um grande cabo eleitoral nosso, que morreu afogado na Boca da Morte do rio Cuiabá, aquele lugar ali no bairro do Terceiro, onde o rio faz redemoinho, e aquele que cai lá, não consegue escapar.

- Sempre que alguém sair do quarto, vou abrir esta bolsa - me mostrou o conteúdo da bolsa, que mais parecia caixa de banco! -, e vou molhar a mão dessa pessoa em sinal de agradecimento.

Finalizando sua conversa essa senhora me disse:

- Quero que o senhor não fique aborrecido. Não estou comprando funcionários. Na verdade estou agradecendo a gentileza de ser bem atendida. Em casa, debaixo do colchão, tenho aúfa desse dinheiro, este tiquinho aqui não me fará falta.

Passado meio século desse acontecimento, tornamo-nos o país das mãos molhadas.

O molha-mão está institucionalizado. Falta coragem para a oficialização e um dia para ser celebrado: Dia Nacional das Mãos Molhadas!


Gabriel Novis Neves

07-05-2011

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