Estaria
o mundo totalmente desfocado, ou seria o meu olhar, habituado ao enquadramento
de molduras para as minhas lentes, o responsável pela limitação de tudo que
vejo?
O
nosso saudoso escritor, João Ubaldo, confessa que algumas de suas companheiras
de cama sugeriam que ele tirasse seus óculos durante suas performances
amorosas. Não gostava de fazê-lo, e considerava essas senhoritas umas
degeneradas.
Seremos
todos condicionados a ver somente a realidade que nos interessa?
De
certa feita, fiquei muito impressionado com as fotos tiradas por um cego. Suas
imagens eram focadas pelo olhar transmitido pelos outros sentidos.
Assim,
consegui entender que nem tudo que vemos corresponde a uma realidade única, mas
a várias, dependendo de quem, e de quando, ela
nos é mostrada.
É
preciso que todos os nossos outros sentidos estejam conectados com a
intensidade do olhar a fim de que o mesmo não se deforme.
Atrizes
importantes, portadoras de lentes de contato, como por exemplo, Marieta Severo,
nos dá notícia sobre a dificuldade de continuar um diálogo em cena quando da
perda momentânea de uma de suas lentes. É como se o olhar fosse fundamental na conexão com a voz
que emana de seus parceiros de trabalho.
O
verbo é cego, mas é ele que cria as imagens.
Eu,
por exemplo, mesmo após uma bem sucedida cirurgia para correção de catarata,
sinto-me bem mais seguro ao enquadrar meu olhar através de lentes, mesmo
sabendo não ser propriamente delas dependente.
Há
no ar uma dúvida geral - estará o mundo desfocado, ou estaremos nos habituando
progressivamente a contornos menos nítidos em tudo e em todos? A que caminhos
estarão nos levando essa distorção da realidade?
Estudos
neurocientíficos já indicam a questionabilidade entre o certo e o errado, uma
vez que a realidade é totalmente diferente para cada pessoa, donde se conclui
que há inúmeras realidades.
Parece
jogo de palavras, mas o atual quadro político nos leva a acreditar nisso.
Estamos nos comportando como um bando de desarvorados em busca de uma verdade
que já não nos parece tão verdadeira.
Nunca
na história vivemos tão perto da famosa “Caverna de Platão”. Massacrados pela
força do mundo audiovisual, olhamos sombras, e acreditamos que essas sombras
são a própria realidade. Imagens múltiplas, sempre nos querendo vender alguma
coisa, mas que não conseguem nos dizer
mais nada. E o pior de tudo, não
conseguem mais nos comover.
Gabriel
Novis Neves
28-10-2014
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