quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CORONEL MEIRELLES


É comum falar bem dos mortos. Não é o meu caso nesta homenagem que presto a um homem de bem. Militar por formação foi o mais civil dos civis.
Estudioso dos problemas brasileiros conhecia como poucos os desafios da ocupação racional da Amazônia. Somente um intelectual poderia comandar a abertura da estrada Cuiabá/Santarém no início dos anos setenta.
Meirelles sabia dos desafios que iria encontrar e como vencê-los, não pela força, e sim, pelo humanismo.
O maior deles talvez tenha sido o encontro com os guerreiros ‘índios gigantes’, até então sem nenhum contato com o homem branco. A nova estrada cortava o território ocupado há séculos por essa civilização.
Com o auxílio dos irmãos Villas Bôas, Meirelles, pacificamente, consegue transferi-los para o Parque do Xingu.
Outro grande problema enfrentado na abertura da estrada foi com os ataques do mosquitinho da malária, que deixou muitas baixas no grupo dos pioneiros.
Graças à criatividade do Meirelles, ele conseguiu, com abertura de clareiras e com o caminhão banheiro, impedir que os seus comandados fossem ao entardecer tomar banho no rio, logradouro predileto dos ataques dos mosquitos.
O mosquito da malária possui autonomia de voo de apenas cinquenta metros e, com essa estratégia, Meirelles impediu que muitas vidas fossem sacrificadas.
Certa ocasião eu conversei com o topógrafo da Cuiabá/Santarém em Alta Floresta. Maravilhado ouvia o herói anônimo dizer que o seu maior inimigo foi a solidão.
Isso terminou quando encontrou em uma lagoa um jacaré. Alimentava-o todo dia no mesmo horário e, com isso, ficou amigo do animal, o que o ajudou a esquecer do número de malárias que contraiu no árduo trabalho da abertura da estrada.
Disse-me que realizou esse trabalho pela imensa admiração que tinha pelo coronel.
Meirelles fez uma campanha e conseguiu um milhão de mudas de mangueira para arborizar as laterais da rodovia.
Espiritualista, com vários trabalhos publicados, acreditava na felicidade propiciada pelas mangueiras com os seus frutos e sombra.
Imaginava o caminhoneiro descansando debaixo das mangueiras adquirindo energias para chegar ao porto de Santarém.
Coronel Meirelles discutia muito a proposta da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) sobre a ocupação da Amazônia.
Quando Humboldt surgiu em plena floresta amazônica mato-grossense, tínhamos divergências de logística apenas. A UFMT optou pela conquista aérea na construção do núcleo pioneiro. Meirelles tinha como estratégia a rodovia.
Era um cérebro universitário, e a relação do 9º BEC com a UFMT eram as mais saudáveis possíveis, além de vizinhos.
Sempre foi um socialista convicto, muito à frente do seu tempo.
Garantiu a liberdade de imprensa em Cuiabá, em um período difícil.
Imaginava trabalhar com a sociedade civil organizada.
Queria implantar em Cuiabá, quando prefeito, o orçamento participativo e uma administração voltada aos mais pobres.
Foi derrotado pelos falsos socialistas, fisiologistas e oportunistas.
Representava a oportunidade democrática de governar com as associações de moradores dos bairros, comunidades de base e descentralização do poder.
Pelo seu gesto, nunca foi perdoado pelos profissionais da política.
Abandonado par parte do povo e políticos, com dignidade, sem concessões aos seus princípios, continuou a servir ao Estado que escolheu para viver e morrer.
Ético, honrado, Meirelles é um exemplo para todos, especialmente para os políticos.
Embora tenha exercido inúmeros cargos importantes, inclusive o de prefeito de Cuiabá, morreu pobre. Esse legado republicano de bem cuidar das coisas públicas, talvez tenha sido a sua maior obra.
Para a sua enorme família, a invulnerabilidade do seu caráter e a sua permanente preocupação com os pobres.

Gabriel Novis Neves 
31-08-2012 

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