Existe no nosso folclore uma passagem bem humorada sobre a cidade onde nasci - Cuiabá. A velha geração já a conhece. Vou contá-la para reavivar a memória dos mais antigos e dar conhecimento aos mais novos.
Um antigo morador desta abençoada cidade há anos mudara-se para o Rio de Janeiro.
Notícias da terrinha só mesmo através de cartas de familiares ou quando, casualmente, encontrava um patrício na cidade grande.
O encantamento do encontro não programado era a oportunidade para o nosso exilado desfazer e entender certas informações que recebia da ex-Cidade Verde.
Logo uma mesa de bar brotava, para matar as saudades e também esclarecer sobre recentes notícias difíceis de acreditar.
A Cuiabá daquela época não tinha chope, novidade e paixão para os habituais usuários da geladinha cerveja Teutonia.
Conversa vai, chope vem, e as dúvidas a esclarecer:
- Meu irmão: é verdade que o único médico otorrino de Cuiabá é totalmente surdo?
- É.
- E que o arcebispo é agiota?
- É.
- Que o dono do Cartório de Registro de Imóveis é cego?
- É.
- E o Presidente da Associação Católica é separado da mulher?
- É.
Mais um chopinho e o encontro com o cuiabano distante é encerrado.
Essa lista antiga poderia ser facilmente aumentada, pois tenho um farto material para editar. Mas não é o meu ramo elaborar uma enciclopédia de coisas que só acontecem em Cuiabá.
Sem querer ofender o brioso povo paraguaio, essas coisas até no Paraguai dão cadeia, segundo o nosso Oráculo do Porto.
Pela televisão o público de Mato Grosso é informado por um dos responsáveis pelo Hospital do Câncer de Cuiabá de que há cinco anos o hospital está sem o aparelho de Mamografia.
Não se trata de fazer humor ofensivo, mas é a realidade de uma cidade que trouxe artistas e modelos de fora para a encenação da morte do filho de Deus, acontecida há dois mil anos.
Deus mandou o seu filho à Terra para nos salvar. Quantos filhos de Deus morrem diariamente no nosso Estado por descaso das nossas autoridades?
Sei que os exames complementares para o diagnóstico e tratamento dessa doença que cada vez mata mais pessoas, não respeitando idade, classe social, credo ou raça, são importantíssimos, ainda mais em um hospital de câncer.
Faltam aparelhos e especialistas para atender à demanda de broncoscopia e ultrassonografia. Para a realização desses exames, é necessária a colaboração e a boa vontade de médicos da rede privada.
Esses mesmos médicos são chamados pelo governo de mafiosos, preguiçosos e mercenários, além de incompetentes para administrar um hospital público, e até para resolver a grave situação da saúde pública de Cuiabá.
O hospital do Câncer de Cuiabá é o único nessa especialidade que atende pacientes do SUS. É filantrópico, e recebe apoio da sociedade mato- grossense - que paga impostos aviltantes e as extravagâncias dos nossos governantes.
É doloroso abordar esse assunto, ainda mais para um médico vítima indireta dessa doença.
As cicatrizes da morte anunciada jamais fecharão para o acompanhante dessa verdadeira tragédia, onde nunca faltaram os recursos mais modernos da medicina.
Talvez, após assistirem à peça teatral do suplício de Cristo na cruz, as nossas autoridades se comovam com o destino de centenas de cancerosos que morrem crucificados nas desumanas filas de espera para consultas e exames laboratoriais. Isto, quando não morrem nas portas e nos corredores dos nossos hospitais.
Que a Semana Santa seja o momento propício para revermos valores e escolhermos o caminho da salvação, que é a atenção para com os pobres e doentes.
Vamos quebrar a corrente de que certas coisas só acontecem em Cuiabá, terra de gente boa e solidária, vítima principal dos desmandos dos poderosos.
Gabriel Novis Neves
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