quinta-feira, 14 de abril de 2011

CUMPRA-SE

Aprendi que lei não se discute, a gente tem é que cumprir. Também aprendi que uma lei nova não pode retroagir para prejudicar. É o famoso direito adquirido.

Será que na prática essa doutrina, na qual confio cegamente, funciona neste país para os cidadãos de primeira e segunda classes?

Não sei não. Uma rápida pesquisa na Biblioteca Nacional, e mesmo nos anais do Congresso Nacional, tiraria todas as minhas dúvidas sobre o assunto.

Lembro-me de algumas bem contemporâneas. Quando ingressei no serviço público federal a legislação vigente era a seguinte: “O servidor trabalharia durante 35 anos descontando religiosamente do seu salário, a cota para a previdência social.”

Ao aposentar-se, estava dispensado desse ônus, pois já fizera jus a esse benefício. Era uma lei de cunho social, pois, na velhice, o trabalhador precisa de recursos para aquisição da sua cesta básica de medicamentos.

Certa ocasião, uma mensagem do executivo ao Congresso Nacional propôs uma nova lei - de uma crueldade inexplicável aos velhinhos. Incluíram novamente a taxa de contribuição previdenciária nos seus holerites, diminuindo o salário dos aposentados e ferindo o direito adquirido de milhares de brasileiros de segunda classe.

E lembrem-se, esses trabalhadores descontaram durante 35 anos o INSS.

Estou com um jornal aqui ao meu lado. Li a notícia que um deputado estadual, tendo exercido o mandato por 12 anos, foi aposentado a toque de caixa com um salário de mais de 20 mil reais.

Com uma agravante: essa lei imoral feita pelos representantes do povo, já foi extinta.

Por esses dias - para impedir o ingresso de bandidos nas Casas Legislativas e Executivas, nos governo Estadual e Federal - o Congresso Nacional aprovou uma lei, logo batizada pelo humor do brasileiro, como a Lei da Ficha Limpa.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal da Justiça (TSJ) fizeram a hermenêutica da lei, e determinaram que, para as eleições de 2010 a lei já estava valendo. Terminadas as eleições, os cidadãos de primeira classe que tiveram uma votação espetacular, após a negação do TSE e TSJ, para serem empossados em seus cargos, foram provocar o Supremo Tribunal Federal, a nossa mais alta corte de justiça, para saber se essa lei moralizadora já estava em vigor. Contrariando os pareceres do TSE e TSJ, após dramático empate de cinco votos favoráveis à validade da lei já, e cinco votos dizendo que a lei só poderia entrar em vigor para as próximas eleições, o gol da vitória que frustrou o Brasil, foi feita pelo ministro estreante.

O motivo do estreante: uma nova lei não pode retroagir, para prejudicar um direito adquirido por centenas de ladrões.

Com o placar final de 6X5, todos os crimes cometidos pelos brasileiros de primeira classe, foram absolvidos. Aquele famoso deputado federal de São Paulo, o senador paraense das rãs, todo o pessoal do mensalão, dos Correios, das ambulâncias, do dinheiro na mala, nas cuecas e meias, daqui para frente só serão punidos teoricamente se cometerem outros crimes.

Dois pesos e duas medidas. Para quem contribuiu por 35 anos para a previdência, e faz jus a uma velhice sem humilhação, a lei foi aplicada não respeitando o tal direito adquirido, privilégio neste país dos cidadãos da primeira classe.

Este é o modelo político de um país socialista do terceiro mundo.

Ladrões do dinheiro público absolvidos. Velhinhos trabalhadores, condenados à morte por não reconhecimento dos seus direitos adquiridos para pelo menos comprar remédios.

Gabriel Novis Neves

25-03-2011

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