No mundo cristão duas datas se destacam no calendário: a do nascimento e a da morte de Jesus Cristo.
No Natal, comemora-se o nascimento do grande missionário, do generoso rabino que veio pregar o amor e revelar aos homens a Lei de Deus.
O Natal era a festa da magia. Festa de celebração pela vida.
Época das cartas para o Papai Noel, presépios e férias escolares. Da missa do Galo, com telefonema do meu pai à meia-noite, para cumprimentar a minha mãe que em casa preparava a colocação dos pedidos do velhinho de barba branca, nos sapatos e debaixo da cama, da filharada dormindo.
Ao clarear do dia 25 de dezembro, a correria e a algazarra incontrolável dos meus irmãos, para conferir os seus pedidos. Até hoje guardo o ruído produzido pelo rasgar dos embrulhos dos presentes recebidos.
A Sexta-Feira Santa, ou da Paixão, era dia de recolhimento. A Catedral tinha um aspecto fúnebre, com as imagens dos seus santos encobertos por tecido roxo.
Na Quinta-Feira Santa, a minha mãe nos orientava para limpar bem a nossa casa e tomar banho antes de dormir. Na sexta-feira tudo era proibido, inclusive falar alto. Só era permitido arrumar a cama com cuidado. Fazíamos jejum e o prato do dia era a canjica.
Nas casas, ruas e igrejas, o ambiente era de desolação. Luto sentido e respeitado por aquele que morreu na cruz, aos poucos, condenado somente porque amou demais a humanidade.
Na sexta-feira da crucificação, as crianças não brincavam, as mulheres usavam trajes e véus pretos nas igrejas, os homens igualmente, se vestiam de luto. Todos oravam diante do caixão com o corpo de Cristo.
À noite, a procissão do enterro, uma das manifestações mais comoventes da nossa cultura religiosa.
Após todas as manifestações de pesar e tristeza, restavam, às crianças do meu tempo, a expectativa da chegada do sábado, quando a cidadezinha amanhecia cheia de Judas de pano, feito pelos artesões de Cuiabá, e pregados nos postes de energia elétrica e telefônica.
Esses Judas retratavam os malfeitores da sociedade, onde a predominância era de políticos.
A meninada saía de casa com os bolsos da calça cheio de limões colhidos nos quintais das antigas casas da minha cidade, além de pedaços de varas de bambu.
O início do ritual era a malhação do boneco no poste até a sua caída, onde todos participavam da brincadeira da chutação para a destruição total da peça artesanal.
Tinha início, então, a guerra dos limões entre os meninos, até acabar a munição, ou por ordem superior de um dos pais.
Hoje, a Sexta-Feira Santa faz parte, na maioria das vezes, de um pacote turístico, que se inicia oficialmente na quarta-feira das trevas, e termina no domingo da Páscoa.
Semana Santa significa mais um feriadão, no nosso rico calendário de enforcação dos dias úteis.
Existe até uma importante cidade no Brasil, onde a semana começa na terça-feira à tarde, e termina quinta-feira à noite da semana seguinte!
Notícias da Semana Santa na televisão são avisos que não há mais vagas em vôos e ônibus para qualquer parte do Brasil.
Ninguém mais se lembra da morte de Cristo. A triste Sexta-Feira Santa da minha infância foi transformada em festas nas chácaras, resorts, barcos, bacalhau, vinhos e pagode com muita comida e cerveja.
Será que é a isto que se chama progresso? Será que os valores reais da vida – que deveriam ser eternos – estão sendo substituídos pelos valores mundanos?
Seja como for, resta um consolo para a humanidade. Jesus, no auge do holocausto de sua própria vida falou: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem!”
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