terça-feira, 21 de setembro de 2010

ADEUS ANONIMATO

Foi-se o tempo em que o cuiabano, ou mato-grossense viajava tranquilamente por este Brasil no mais gostoso anonimato. Sempre há curiosos por toda a parte, principalmente no hotel e na praia. Ninguém escapa da costumeira pergunta: - De onde você é? Na época em que eu viajava muito, escutava muito esta indagação. Respondia: - De Cuiabá - e a conversa ficava por aí. Ninguém sabia ao certo onde ficava Cuiabá. Então o papo não vingava mesmo.

Hoje a situação é bem outra. Outro dia um amigo, à volta de umas férias no Rio de Janeiro, me contou um episódio que retrata como as coisas mudaram neste sentido. Vou tentar reproduzir o mais fielmente possível o fato. Inicialmente ele me disse: - Nós não somos mais anônimos no Brasil. – E continuou: O anonimato termina quando pegamos um taxi no aeroporto para o hotel. O início da conversa, puxada pelo motorista é aquela velha conhecida:

- O senhor me desculpa, mas o senhor é de onde - indaga o motorista?

- De Mato-Grosso. Moro em Cuiabá, respondo.

- Ah! Então o senhor é uma celebridade?

- Eu não! – respondo surpreso.

- Mas o senhor não é da terra dos recordes? É o que leio nos jornais. Já sei: o senhor está tão acostumado com os sucessivos recordes do seu Estado, que não demonstra muita euforia, mas é assim mesmo. Quem nasce em um lugar conhecido e famoso é tão modesto, né?

Diz meu amigo que não respondeu, só deu de ombros, não sabia se o motorista estava falando sério ou tirando um sarro com a cara dele. – Sabe como são os cariocas, né Gabriel? Fazem piadas de tudo e nós devemos ser a piada da vez – concluiu meu amigo. E ficou calado para não dar corda neste assunto tão desagradável de recordes – pois, ou são recordes negativos, ou recordes bem pitorescos. Mesmo não respondendo, o motorista, segundo meu amigo, quis continuar o papo sobre Cuiabá, e comentou:

- Só mais uma coisinha doutor. Ouvi dizer que lá na sua terra tem até Rei. Lá existe Rei de tudo que é plantado, né?

Aí eu não agüentei e tive que responder:

- É, o senhor tá certo, mas também tem Rei das destruições.

Ele parece que nem ouviu meu comentário, Gabriel, que, a bem da verdade, falei meio sussurrando. E logo engatou outro comentário:

- Tinha vontade de trabalhar no Estado dos recordes. É verdade que foi construído um ginásio e agora destruído para construir um campo de futebol?

Mais uma vez não pude ficar calado. Até já estava ficando íntimo do motorista. Simpático ele! Tão bem informado sobre o nosso Estado. E fazia questão de demonstrar isso. Mas resolvi esclarecer certas coisinhas para ele. Então falei:

- Você está confundindo as coisas. O ginásio continua. O estádio de futebol é que foi demolido.

- Que bacana! – ele falou. - Será outro recorde. Qual o time de futebol do estado na 1ª Divisão do Campeonato Brasileiro? É o Goiás?

- Não – respondi seco.

Percebi que ele não conhecia assim tão bem o nosso Estado. Goiás? Puxa vida! O cara é meio ruim de geografia – pensei comigo. Mas assim mesmo respondi que só disputamos a 4ª divisão.

- Poxa! Então quando vocês forem disputar a 2ª divisão, irão construir outro estádio, que será novo recorde – respondeu ele com certo tom irônico.

Nesta altura, Gabriel, percebi nitidamente o deboche e a gaiatice do motorista. E não tirei a razão dele não. Mas a conversa já estava ficando longa e resolvi escancarar para o meu amigo, já íntimo, todos os últimos recordes de Cuiabá:

- Meu amigo, digo a ele. – Mato Grosso é o Estado brasileiro recordista em focos de incêndio. Conquistou o recorde de capital brasileira mais quente do país. Cuiabá possui mais homens solteiros que mulheres. Tem um dos piores índices de educação, saúde e segurança do Brasil. São recordes difíceis de serem quebrados.

Ele exultou com as informações, acho que aumentei o seu repertório sobre o nosso Estado, que com certeza comentará com o próximo passageiro.

Finalizando, meu amigo me disse que até no hotel foi protagonista de papo semelhante, e que dava graças a Deus que no dia seguinte retornaria para Cuiabá.

É. Cuiabá não é mais uma cidade anônima. Vamos descobrindo, magoados e tristes, que ela está em todos os noticiários escabrosos. Por isso não saio daqui. Pelo menos por aqui a gente vive no anonimato e imune a estes comentários.

E salve Cuiabá! A cidade dos recordes infelizes!


Gabriel Novis Neves (7.5+69)

13-09-2010

Um comentário:

  1. É, pois é. Diogo Mainardi que o diga. Nos anos 60, quando identificado um mato-grossense, o paulistano surpreso indagava: Cuiabá? É verdade que lá índios nús e onças perambulam pelas ruas? O que vigora é a Lei do "parabellum 44"? Como disse o Diogo Mainardi ao referir-se a Cuiabá como uma "terra distante". É como diz Dr. Gabriel, "Cuiabá, saiu do anonimato". Perambula pelo livro dos recordes e pelas páginas policiais.

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