sábado, 28 de agosto de 2010

Alegria curta

Pela primeira vez, em vinte e sete anos, chego ao hospital em que trabalho e encontro estacionado, próximo a entrada do nosso pronto-atendimento, uma minúscula viatura da polícia militar. Paro o meu carro, identifico-me e cumprimento a autoridade policial. Disse da minha satisfação ao vê-lo ali parado – fazendo, com certeza, prevenção de uma desgraça.

Para o leitor entender o caso: há tempos venho solicitando as nossas autoridades competentes providências no sentido de organizar o trânsito em frente do hospital, que fica ao lado de uma escola relativamente grande. O fluxo de carro é intenso. Por diversas vezes a ambulância encontrou dificuldades de chegar com a rapidez necessária ao pronto atendimento do hospital, sem falar dos motoristas irresponsáveis que estacionavam o carro bem em frente à entrada destinada à ambulância.

Pois bem. Exultante, ao ver que finalmente alguma atitude tinha sido tomada, continuo o diálogo com o jovem e educado policial. Acho que em sinal de respeito para com este idoso, ele retira os seus óculos escuros. Conversa olho no olho – assim entendi. Imploro que não deixe os carros estacionados irregularmente na porta do nosso pronto-atendimento, onde existe uma enorme placa avisando que é proibido estacionar. Também pondero com a autoridade que a rua é estreita, e os carros estacionam no lado direito (que é proibido), e no esquerdo, em cima da calçada. Numa clara demonstração de transgressão às leis de trânsito.

O policial a tudo ouvia e balançava a cabeça em sinal de concordância com o que eu estava falando. Muito simpático. Ele, apesar de não falar nada, parecia disposto a escutar tudo. Então questionei: “se você estivesse trazendo para este pronto-atendimento um filho em convulsão, ou a sua mulher grávida com sangramento, o que faria encontrando bloqueada a entrada do hospital?” Sem esperar a resposta emendo: “essa arma que você traz na cintura, continuaria ai?” Ele não respondeu nada, mas percebo sua expressão de solidariedade diante da minha indignação.

Despeço-me do bom e calado militar e fui para o meu consultório. Eufórico, telefono ao meu editor. Relato o fato e desabafo: “Alguém leu o meu artigo Prevenção da desgraça, e parece-me que finalmente os meus apelos estão sendo escutados.”

Após terminar o atendimento no consultório, resolvo passar pelo pronto atendimento para ver como as coisas estavam indo. Frustração total! Encontro o caos de sempre. Procuro pelo policial. Nem sinal dele e do carro! Não posso jurar, nem peço que acreditem, mas, súbito, me vem a suspeita: aquele carro da polícia transportava alguma criança à escola. Não seria a primeira vez que vejo carros oficiais servindo à família dos poderosos. Entendi também o porquê da mudez do policial.

Minha alegria durou pouco, muito pouco. Mas não desisto, vou continuar com meus apelos às autoridades para uma solução urgente para o tráfego diante do hospital.


Gabriel Novis Neves (7.5 + 51)

26-08-2010

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