segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Viagem sem mescalina

Qual de nós, num mecanismo inconsciente de fuga, não desejou, pelo menos uma vez na vida, realizar o sonho de Ícaro de voar?
Lembro-me que quando era criança, e mesmo na adolescência, esse sonho me era muito frequente.
Talvez pela grande dificuldade de ultrapassar os limites da imaginação pelos quais passam todos os jovens.
Na minha meninice cheguei a pensar que viveria tempos em que, abolidos todos os automóveis, usaríamos cintos voadores como meio de transporte nas grandes cidades. O que nos permitiria chegar perto do sonho de Ícaro.
Isso ainda não aconteceu, mas talvez não esteja longe deste fato se concretizar – apenas não estarei mais aqui.
Enquanto isso, as nossas viagens através dos sonhos não encontram impasses nas suas dimensões.
Há algum tempo, na lida diária do consultório, uma cliente gestante me relatou um sonho que tivera e que me deixou fascinado.
Via-se ela trafegando por tortuosas estradas coloridas semelhantes à nossa massa cerebral, com todas as suas curvas e labirintos, tudo muito rápido e muito vibrante.
Era ela conduzida por uma motorista feminina em uma viatura sem portas nem janelas. Possuía apenas a carroceria, com um confortável banco e um grande para-brisa dianteiro, que possuía um olho mágico permitindo o deslumbramento do trajeto.
E o que era mais interessante: apesar da grande velocidade a que era submetida, ela não sentia medo.
Uma verdadeira viagem sem mescalina produzida pela mente, quase ao raiar da manhã ou talvez de uma nova vida.
Fiquei encantado com as nossas imensas possibilidades criativas, e pensando no grande potencial humano que ainda não consegue ser avaliado pelos nossos atuais métodos de medidas.
A paciente, ao contrário, indagava-me se estava precisando de tratamento psicoterápico.
Aquietei-a, parabenizando-a pela facilidade com que conseguia romper as “portas da percepção”, tão falada por Aldous Huxley no seu famoso livro de igual nome.
Tudo isso sem drogas, apenas numa fase em que a mãe natureza a preparava para a formação de um novo ser e, com certeza, de uma nova mente.

Gabriel Novis Neves
26-07-2013

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