domingo, 16 de outubro de 2011

Quero ser criança

Escrever é traduzir os nossos sentimentos e emoções - mesmo que seja em uma simples anamnese de consultório. Quem escreve tem a obrigação de transmitir informações compreensíveis a quem lê.

Cedo aprendi que a minha missão seria ouvir, perguntar e escrever, para interpretar sinais e sintomas das doenças. É a minha paixão, após mais de meio século de profissão.

Interpreto as queixas dos meus pacientes e escrevo sucintamente no prontuário. Faço questão que ele participe daquilo que escrevo e depois entenda os sinais e sintomas da sua doença. Não faço como obrigação essas anotações, faço com prazer, especialmente a tradução para o meu leigo paciente. Coisas de jovem, dirão alguns pragmáticos.

Com o tempo avancei, e mais um desafio tive que enfrentar para vencer minha timidez - escrever temas livres e publicá-los.

Recebi conselhos de um grande amigo que mora em Friburgo (RJ) sobre essa louca opção a essa altura da minha vida. Aconselhou-me, basicamente, viver com tranquilidade - expor minhas idéias na mídia é me sujeitar a enfrentar turbulências.

Disse-me o velho companheiro que, se estivesse aqui, não me deixaria caminhar por essa estrada.

Disse-me também, que o meu tempo agora é de contemplação da natureza. Ficar na companhia do barulho dos rios, das cachoeiras e dos pássaros; do sol e da sua companheira de plantão, a lua; ventos assoviando, árvores balançando, frutas caindo, o latido distante de um animal.

Curtir a solidão aconchegante, com as belezas da natureza. A chuva de vento. A de granizo. A silenciosa. A gota caindo em cima do vaso produzindo um som genial. Viajar.

Esses foram alguns dos conselhos desse amigão, que vive na natureza e conversa com ela.

Já pensei em completar o meu tempo assim. Até tentei. Mas, sentia que me faltava alguma coisa. Sou produto de uma pequena cidade, de onde ninguém saía para procurar a natureza e suas belezas. Cuiabá era a própria natureza linda e agarrativa do poeta. Hoje, infelizmente, a minha cidade encontra-se bastante maltratada e abandonada.

Entretanto, a natureza é forte. Ela ainda se faz presente em toda a sua exuberância. Com um olhar carinhoso sobre esta velha cidade, percebo o toque, ainda que acanhado, da sua marca. Percebo tudo aquilo que meu amigo me aconselhou a contemplar.

Não posso, não devo deixá-la, embora bastante maltratada. Diante de tanta miséria, adquirida, por incompetência, negligência, descaso e falta de amor dos nossos governantes, sinto que meu lugar é ao seu lado. Procuro ser o porta-voz do seu sofrimento.

Posso até estar escrevendo para cegos ou pregando prego no deserto. Não faz mal. A lealdade para com minha terra me faz gritar, mesmo que o meu grito caia em ouvidos moucos.

Por isso, meu amigo, eu escrevo. Às vezes, enfrento as turbulências que você citou. Mas, isto é bom. É sinal que alguém ouviu e que prestou atenção aos meus incansáveis pedidos de socorro para esta terra.

Tenho a consciência que dificilmente essa minha opção mudará a nossa sociedade, mas quero sonhar como uma criança, acreditar e ter esperanças como uma criança, mesmo no crepúsculo da vida.

Quero ser criança.

Gabriel Novis Neves

11-10-2011

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