quarta-feira, 2 de março de 2011

TELEFONE PÚBLICO

Os políticos atuais não completam uma frase sem falar numa tal de parceria, sendo que os mais sofisticados gostam mais do termo - parcerias público-privadas.

Acham o máximo essa expressão, que julgam significar modernidade, quando sabemos que, na maioria das vezes, é tradução de incompetência.

Quando eu era criança, nesta cidade se praticavam parcerias - mais privadas, com a população, que públicas. O privado favorecia a população, vítima da ausência do governo, e ninguém enchia a boca para falar, nem o saco de quem ouvia esse lero-lero.

Vou citar apenas um caso, da época em que os nossos governantes usavam o desconfiometro e não terceirizavam as suas ineficiências.

Acho - posso estar errado - que o primeiro telefone público de Cuiabá era privado, e pertencia ao bar do Bugre.

Os taxistas, diante da ausência do poder público, utilizavam o telefone do bar, e aqueles que precisavam de um taxi telefonavam para lá.

Meu pai foi, durante anos, atendedor de telefonemas para os taxistas. Fazia com o maior prazer, jamais cobrou nada dos que precisavam do seu telefone, e aquilo era encarado como um fato normal.

Bem diferente do que vemos agora. Todos os problemas públicos só serão solucionados por intermédio das parcerias. Até o sucesso da Copa do Mundo em Cuiabá não depende do governo, e sim das parcerias.

Bom, de tanto ouvir reclamações da falta de um telefone público, um prefeito resolveu atender à reivindicação, mas só para a organizada classe dos motoristas, os maiores divulgadores das cidades onde trabalham.

Entre o bar do Bugre e a pista de automóveis existia um longo canteiro, com palmeiras imperiais. Pois foi exatamente nesse local que a prefeitura construiu um monstrinho - que ela chamou de cabine telefônica - para decepção de todos os cuiabanos.

A frustração foi tão grande que um poeta da terra, Antônio Ventura, aproveitando uma marchinha de carnaval que fazia muito sucesso na época – “Chiquita Bacana”, gravada por Emilinha Borba -, colocou uma letra, que foi a mais tocada no carnaval daquele ano.

Não guardei por escrito a letra cuiabana da Chiquita Bacana, que foi muito divulgada e cantada pelo povo, para desespero do prefeito. Era assim:

“Fizeram uma casinha

Em frente ao bar

Mais parece mictório

Que posto

Pra falar

O Bugre está quente

Com a tal decisão

Taparam a vista

Do seu casarão...

Oi!”

Quando, em poucos eventos religiosos, Dom Aquino Corrêa era obrigado a falar nas escadarias da igreja para a multidão de fiéis, muitos procuravam ficar na sorveteria do bar, onde a vista era privilegiada.

O mesmo acontecia nos comícios de campanhas políticas. Lembro-me que, da sorveteria do bar do meu pai, assisti à partida dos pracinhas de Cuiabá rumo à Itália para combater o nazi-facismo. O posto de telefone, que parecia um mictório, tirou essa visão.

Na quarta-feira de cinzas o prefeito mandou derrubar o posto de falar, que mais parecia mictório, na visão do poeta. E o telefone privado continuou, por muito tempo, a ser o único telefone público da cidade.

Imagino o meu pai vivo, ouvindo diariamente essa ladainha de parcerias, especialmente o público-privado.

Será que não dá para esquecer essa chatice de parcerias e trabalhar para resolver nossos crônicos problemas?

Gabriel Novis Neves

11-02-2011

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