Os políticos atuais não completam uma frase sem falar numa tal de parceria, sendo que os mais sofisticados gostam mais do termo - parcerias público-privadas.
Acham o máximo essa expressão, que julgam significar modernidade, quando sabemos que, na maioria das vezes, é tradução de incompetência.
Quando eu era criança, nesta cidade se praticavam parcerias - mais privadas, com a população, que públicas. O privado favorecia a população, vítima da ausência do governo, e ninguém enchia a boca para falar, nem o saco de quem ouvia esse lero-lero.
Vou citar apenas um caso, da época em que os nossos governantes usavam o desconfiometro e não terceirizavam as suas ineficiências.
Acho - posso estar errado - que o primeiro telefone público de Cuiabá era privado, e pertencia ao bar do Bugre.
Os taxistas, diante da ausência do poder público, utilizavam o telefone do bar, e aqueles que precisavam de um taxi telefonavam para lá.
Meu pai foi, durante anos, atendedor de telefonemas para os taxistas. Fazia com o maior prazer, jamais cobrou nada dos que precisavam do seu telefone, e aquilo era encarado como um fato normal.
Bem diferente do que vemos agora. Todos os problemas públicos só serão solucionados por intermédio das parcerias. Até o sucesso da Copa do Mundo em Cuiabá não depende do governo, e sim das parcerias.
Bom, de tanto ouvir reclamações da falta de um telefone público, um prefeito resolveu atender à reivindicação, mas só para a organizada classe dos motoristas, os maiores divulgadores das cidades onde trabalham.
Entre o bar do Bugre e a pista de automóveis existia um longo canteiro, com palmeiras imperiais. Pois foi exatamente nesse local que a prefeitura construiu um monstrinho - que ela chamou de cabine telefônica - para decepção de todos os cuiabanos.
A frustração foi tão grande que um poeta da terra, Antônio Ventura, aproveitando uma marchinha de carnaval que fazia muito sucesso na época – “Chiquita Bacana”, gravada por Emilinha Borba -, colocou uma letra, que foi a mais tocada no carnaval daquele ano.
Não guardei por escrito a letra cuiabana da Chiquita Bacana, que foi muito divulgada e cantada pelo povo, para desespero do prefeito. Era assim:
“Fizeram uma casinha
Em frente ao bar
Mais parece mictório
Que posto
Pra falar
O Bugre está quente
Com a tal decisão
Taparam a vista
Do seu casarão...
Oi!”
Quando, em poucos eventos religiosos, Dom Aquino Corrêa era obrigado a falar nas escadarias da igreja para a multidão de fiéis, muitos procuravam ficar na sorveteria do bar, onde a vista era privilegiada.
O mesmo acontecia nos comícios de campanhas políticas. Lembro-me que, da sorveteria do bar do meu pai, assisti à partida dos pracinhas de Cuiabá rumo à Itália para combater o nazi-facismo. O posto de telefone, que parecia um mictório, tirou essa visão.
Na quarta-feira de cinzas o prefeito mandou derrubar o posto de falar, que mais parecia mictório, na visão do poeta. E o telefone privado continuou, por muito tempo, a ser o único telefone público da cidade.
Imagino o meu pai vivo, ouvindo diariamente essa ladainha de parcerias, especialmente o público-privado.
Será que não dá para esquecer essa chatice de parcerias e trabalhar para resolver nossos crônicos problemas?
Gabriel Novis Neves
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