Na implantação da UFMT, no Campus do Coxipó da Ponte, tínhamos o curso de Direito (federal) e os do ICLC (estadual).
Uma grande diferença se fazia sentir entre os professores de Direito e os de Engenharia Civil, Economia, Ciências Contáveis e Educação: a maneira de se vestirem. Os professores do curso de Direito eram os únicos que davam aulas de terno e gravata.
Para ser mais preciso, eram os únicos que se vestiam assim. Os demais funcionários – do reitor ao vigia – usavam calça e camisa. Além do calor insuportável, pois as árvores recém plantadas ainda não ofereciam o refrigério de suas sombras, vivíamos num clima de informalidade – mas não para a maioria dos professores do curso de Direito.
A par disso, a longa convivência acadêmica que mantive naqueles anos com desembargadores, promotores, juízes, defensores públicos, delegados do trabalho e a nata dos advogados de Cuiabá foi enriquecedora para a minha vida em termos de aprendizado e firmação de valores.
Vivia cercado pelos profissionais do Direito, e aprendi muito com o Dorileo, Atílio, Gervásio Leite, João Antonio Neto, Didi Pedroso, José Vidal, Renato Pimenta e tantos e tantos outros expoentes da nossa cultura. Essa gente toda pertencia à ala dissidente do terno e gravata.
Enfim, eu vivia cercado pelos melhores juristas - autores dos sólidos alicerces da nossa hoje quarentona UFMT.
Os jovens estudantes, incomodados com a presença maciça dos homens das leis ao meu redor, espalharam pelo campus que eu estava implantando uma universidade legalista.
Expliquei que aquele momento era o das leis. Elas é que nos dariam, mais tarde, o suporte legal para as curiosas inovações que estávamos realizando no ensino superior - muito aristocrático à época.
Surge então o projeto Aripuanã, que viabilizou a implantação e a consolidação da universidade. O polígono de conhecimentos da Amazônia.
Passados esses longos anos, o formalismo no modo de vestir do pessoal do curso de Direito foi expulso das salas de aula. Entretanto, continuou nos Tribunais.
Recebi um convite, do agora Presidente do nosso Tribunal de Justiça, para uma solenidade no Palácio da Justiça. Confesso que fiquei comovido. Decidi que iria, apesar de não gostar muito de sair de casa. Queria prestigiar os três desembargadores responsáveis pela justiça do nosso Estado. Afinal, eles foram ex-alunos da UFMT.
Dois deles eu conheci muito antes dos seus nascimentos, e o outro, no Campus.
Já estava vivenciando momentos de felicidade que esta solenidade me traria. Infelizmente, fui frustrado pela minha informalidade.
Aconteceu o seguinte: quando cheguei ao Palácio da Justiça, um batalhão de educadas e belas recepcionistas me perguntou se eu tinha o cartão azul. Falei que não. Na verdade nem o convite eu levei, mas sabia que era branco, e não azul.
Diante disso, uma das recepcionistas, gentilmente, me apontou uma porta. Entrei. Estava dentro de um pequeno auditório quase vazio, incompatível com o movimento intenso lá fora. Indaguei pelos meus ex-alunos. A resposta foi que eu não poderia vê-los, pois não tinha o cartão azul.
A felicidade dura pouco, diz o povo, e logo descobri a verdade por trás daqueles tais cartões azuis. Eles correspondiam ao antigo terno e gravata das aulas de Direito.
Felicidades, meninos!
Gabriel Novis Neves
Ligue não Dr. Gabriel. A propósito, eis o que diz a letra que considero antológica da música "Cidadão", de Zé Geraldo. Apenas a 3ª parte, no mínimo pode servir de consolo:
ResponderExcluir"Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
e o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
e na maioria das casas
Eu também não posso entrar"