sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Velho amigo

Estava saindo do meu consultório e o meu vizinho chegando. Trabalho no período matutino, ele no vespertino. Somos colegas há muitos anos. Conhecemo-nos no Hospital Universitário Julio Muller. Através de concurso ele veio das Gerais para lecionar Medicina com um dos fundadores da faculdade. Fazemos a mesma especialidade, o que facilitou o nosso convívio. Embora vizinhos de consultório, há muito tempo não nos víamos. Entre o fechar da minha porta e o abrir da dele, uma rápida paradinha para um papo, também rapidinho.

- Tudo bem com você, Gabriel?

- Sim - respondo à clássica pergunta feita aos idosos.

- O que tem feito?

- O de sempre. Estou quase na velocidade do Rubinho.

- Viajado muito?

- Só nas minhas crônicas.

- Ah, que pena! – diz ele com ar pesaroso e se despede. - Um abraço. A minha paciente chegou.

Despeço-me do colega e vou para o estacionamento pegar o carro. O almoço me espera em casa. Vou matutando sobre a rápida conversa. É incrível! - pensei. As pessoas relacionam felicidade a qualquer tipo de ausência de Cuiabá – as tais viagens. Houve uma época na minha vida em que trabalhava durante o dia e viajava à noite para não perder tempo. Ainda bem que “não há mal que sempre dure!”

O fato é que muitos dos meus amigos me consideram infeliz, simplesmente por ter tido a coragem de confessar que enjoei de viajar. Conheço muito bem a “felicidade de uma boa e relaxante viagem de férias”. Só toparia viajar hoje no “Aero Lula”. Portanto, sabem quando vou viajar? Nunca! Parece que existe um pacto velado entre os que viajam na classe turística: esconder as aporrinhações que enfrentaram durante a viagem. Tenho um colega que foi a Paris - pacote fechado. Só andava de metrô. Não conheceu a Cidade Luz. A sua salvação foram os cartões postais comprados no aeroporto para mostrar aos amigos os lugares por onde andou. Outro fez uma viagem panorâmica inesquecível debaixo do mar, entre Paris e Londres. Uma beleza a velocidade do trem! Sem contar as horas de espera em aeroportos, transporte para os hotéis, a burocracia para conseguir a chave do quarto, reservado e pago com meses de antecedência. Esses, e outros aborrecimentos, são superiores a cinqüenta por cento do tempo das férias. Considerando-se que ninguém é de ferro e que também se tem que dormir, além das necessárias e imprescindíveis compras... Já está na hora de voltar, e o que sobrou da viagem? Cansaço, como conversa de dois amigos em processo de auto-ajuda.

O menos velho aconselha a viajar e o mais velho, ferido de tantas viagens cansativas, só admite viajar em uma companhia aérea que esteja à venda. Fico por aqui, com a molecagem das faixas nas ruas que me divertem sem cansar.


Gabriel Novis Neves

12/07/2010 ( 7.5 + 06 )

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