domingo, 17 de janeiro de 2010

A honestidade do pistoleiro

“Cuiabá sempre foi uma cidade violenta. Não da violência banalizada, mas da violência onde a honra era lavada com sangue, os compromissos não efetuados eram cobrados à bala e o fio de bigode era o fiador da palavra empenhada. Não havia necessidade de registrar acertos comerciais em cartórios com firma reconhecida.”

“O que vemos hoje é a banalização da violência onde se mata por nada: uma pequena discussão no trânsito, um assalto de alguns trocados para comprar drogas, uma briga sobre o resultado do futebol - tudo vira motivo para se matar.”

Em silêncio meu amigo ouviu meu desabafo sem me interromper. Depois chamou a minha atenção para a “honestidade do pistoleiro profissional”. Disse-me serem geralmente pessoas que exercem com ética a sua profissão: matar pessoas que nem conhecem, apenas por dinheiro.

Discordo da tese quando rememoro um fato ocorrido nos anos setenta, e que indiretamente tomei conhecimento. A minha casa no bairro do Porto, era ponto de encontro de professores, profissionais liberais, jornalistas de vanguarda, radialistas, políticos, artistas, poetas, pensadores, desocupados, marginalizados - todos meus amigos. Uma noite, com a casa cheia, vem a notícia alarmante: empastelaram o jornal do Maia. Houve violência, a impressora foi quebrada. O Correio da Imprensa está fora de circulação. Era o único jornal de oposição naquela época. Notícia boa: ninguém morreu, mas o Maia foi preso. Um grupo foi para o jornal, outro ficou na minha casa tomando providências pelo telefone. Lá pela madrugada apareceram os prováveis mortos.

O jornal, que incomodava muita gente graúda, era tocado pelo Maia, Ronaldo Castro e o Zé Eduardo. Dizem que na ocasião foi contratado um profissional para fazer o serviço de sumiço dos três jornalistas, com pagamento antecipado. Ao chegar à redação o pistoleiro se deparou com duas visitas não programadas: o Édson Miranda e o repórter Vila, que chegou fora do horário combinado.

Para não cometer injustiça, e porque o combinado foi liquidar com três elementos e ali havia cinco, o “serviço” não foi realizado. Dizem até que o “profissional” devolveu o dinheiro. Fiquei sabendo da “honestidade do pistoleiro” há duas semanas, por um sobrevivente da chacina que não aconteceu.

Achei que este fato mereceria registro. Pela primeira vez ouvi depoimento de um “ex-morto”.

Gabriel Novis Neves
03/01/2010

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