Completei neste mês de dezembro quarenta infusões de imunoglobulina humana.
São nove frascos de 5 g/100 ml aplicados mensalmente por via venosa, no hospital do meu plano de saúde.
Um ritual silencioso, repetido, quase burocrático — e, ainda assim, profundamente vital.
Descobri por acaso que o meu organismo não fabricava imunoglobulinas e suas subclasses em quantidade suficiente para me proteger das infecções, especialmente as respiratórias.
Uma deficiência invisível, dessas que não doem, não sangram, mas fragilizam.
Foi essa descoberta que me fez conhecer melhor as UTIs dos hospitais da cidade e os serviços de home care.
Aos 87 anos, ao realizar uma bateria de exames de rotina, deparei-me com essa anormalidade tardia, revelada pela precisão da ciência.
O tratamento é simples.
Foi amplamente utilizado durante a pandemia da Covid-19, a ponto de esgotar os estoques mundiais dos fabricantes — inclusive no Brasil.
Depois de iniciar a reposição mensal das imunoglobulinas, ainda enfrentei uma pneumonia leve, tratada em casa, sem febre nem falta de ar.
Mais tarde, uma infecção urinária exigiu dois dias de internação hospitalar, apenas por cautela.
Episódios que confirmam: a medicina não elimina o risco, mas o torna administrável.
São poucas as pessoas — sobretudo na minha idade — que já realizaram esse exame de sangue.
As doenças imunológicas ainda são pouco investigadas, e seus especialistas permanecem como ilustres desconhecidos, trabalhando longe dos holofotes.
Acompanha meu tratamento uma médica infectologista, ex-aluna da nossa UFMT, assessorada por um médico imunologista, também formado na mesma casa.
Um reencontro da vida com a universidade que ajudei a construir
Às vezes escrevo crônicas sobre temas médicos e me ofereço como exemplo.
Não por vaidade, mas por dever: alertar alguém que, sem saber, convive com o mesmo mal silencioso.
Quarenta infusões marcam um capítulo importante da minha trajetória como paciente.
Compartilho esse percurso com meus leitores como prova dos avanços da ciência médica — avanços que, infelizmente, ainda estão ao alcance de poucos.
Cuidando da saúde como tenho feito, meu prognóstico é de uma longa jornada.
Mas faço um apelo: que a indústria farmacêutica brasileira continue trabalhando, ao menos, para suprir o nosso mercado interno.
Hoje, Irã e China figuram entre os principais fornecedores mundiais de imunoglobulina humana.
Enquanto isso, nossos cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, e do Instituto Butantã em São Paulo, seguem precisando de mais apoio governamental.
Da minha turma de médicos, apenas dois fizeram carreira em Manguinhos.
Temos, sem dúvida, que melhorar essa curva.
Gabriel Novis Neves
16-12-2025
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