sábado, 27 de dezembro de 2025

EFEITOS DO NATAL


Acordei hoje cedo com uma mensagem de um amigo, um pouco mais novo do que eu.

 

Dizia que na semana de Natal era tomado por uma imensa tristeza.

 

Viúvo e solitário, passava esses dias afastado de todos, embora tivesse pais, filho, filha, tia e sobrinhos.

 

Refugiava-se na casa de campo, na companhia apenas de gatos e cachorros castrados.

 

Procuro compreender a minha tristeza natalina jogando a culpa na infância.

 

Nunca tive Natal.

 

Meu pai trabalhava no bar justamente na noite do nascimento de Jesus.

 

Agora, com noventa anos, faço uma concessão: dou uma passadinha rápida na casa da minha filha.

 

Logo retorno para casa, morrendo de sono — e um pouco triste.

 

O próximo Natal só virá no fim do ano que vem, restando até lá apenas uma réstea dessa tristeza silenciosa.

 

Algo parecido acontece comigo no dia 31 de dezembro, mas por outro motivo: novamente a lembrança do meu pai no bar.

 

Naquela noite, 31 de dezembro já era Carnaval.

 

Praias, ruas, avenidas, bares e sambódromos em plena euforia.

 

O morro descia para o asfalto com suas escolas de samba, mulatas e baterias.

 

Em 1954 passei o Natal e Ano Novo estudando para o vestibular, com a zoeira das ruas entrando pela madrugada.

 

Nesse ano ecoava pela noite um sucesso musical de Zé Kéti.

 

A tristeza sempre me acompanhou nesses dias.

 

Creio que sou mais introvertido do que melancólico.

 

Escrevo, aos trancos e barrancos, esta crônica pós-Natal.

 

As estatísticas dizem que esse sofrimento atinge boa parte da população no fim do ano.

 

Invejo as crianças que parecem felizes o ano inteiro.

 

Criança triste, com certeza, está doente.

 

Quando eu era menino, um freguês do bar do meu pai sempre perguntava se eu estava com febre.

 

Era porque eu vivia quieto demais.

 

Acabei apelidando-o de ‘o homem da febre’.

 

Meu amigo me contou que a tristeza dele já foi embora.

 

A minha também está mais leve.

 

Para me proteger dessa melancolia natalina, preciso ter a destreza dos comedores de piraputanga com espinhos, jogando-os habilmente pelos cantos da boca.

 

Enquanto isso, sigo acrescentando Natais ao meu longo currículo.

 

Gabriel Novis Neves

26-12-2025




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