sábado, 13 de dezembro de 2025

GABRIEL PARA SEMPRE


O tratamento muda com o tempo: de ‘menino’ a ‘moço’, depois ‘doutor’ e, por fim, ‘seu’.

 

Cada forma de chamar carrega uma idade escondida, um lugar que o tempo nos reserva.

 

Hoje sou chamado de ‘seu’.

 

Confesso que ainda estranho.

 

Debito esse hábito, talvez injustamente, na conta dos migrantes do Sul.

 

Gosto mesmo é de ser chamado simplesmente de Gabriel.

 

Era 1955.

 

Eu acabara de ser aprovado no vestibular de Medicina, na Praia Vermelha.

 

Consegui, com o cuiabano brigadeiro Anísio Botelho, uma passagem pelo Correio Aéreo Nacional, nos velhos aviões DC3, que faziam a rota da Integração Nacional até Cuiabá.

 

Aproveitaria a viagem para descansar, rever meus pais e conhecer minha irmã caçula, recém-nascida.

 

Nas férias de dezembro não poderia vir, pois iniciaria as aulas no Centro Preparatório de Oficiais da Reserva —CPOR, no bairro imperial de São Cristóvão.

 

Na minha curta permanência, passava as tardes ao lado do meu pai, no bar.

 

Certa ocasião, encontrei o professor Ezequiel de Siqueira acompanhado de seus cachorros, sentado à primeira mesa do salão, executando tarefas escolares encomendadas.

 

Professor poliglota, possuidor de vasto conhecimento em matemática, ciências e línguas recebia encomendas de trabalhos escolares e cobrava honorários por isso.

 

Ao me ver ao lado do meu pai, chamou-me para sentar à sua mesa.

 

Cuiabá era uma cidade pequena e o bar o grande centro de convivência.

 

As notícias corriam por suas mesas, e meu pai era o homem mais bem informado da cidade.

 

Sentei-me ao lado do professor e ele me disse que soubera que eu seria médico.

 

Em uma folha de papel em branco, pediu que eu escrevesse meu nome completo.

 

Disse que, em breve, eu seria doutor e que estudaria a melhor forma de escrever meu nome na placa do consultório, no receituário médico e nos cheques do Banco do Brasil.

 

Fez, então a numerologia do meu nome inteiro.

 

Ao final, recomendou-me nunca usar o Dr. antes do nome.

 

O melhor, dizia ele, seria assinar apenas Gabriel ou o nome completo.

 

E assim fiz.

 

Gabriel Novis Neves

11-12-2025




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.