Não foi o telefone que interrompeu a conversa. Foi a hierarquia do tempo, sempre mudando de dono.
Quando foi instalada a Central Telefônica de Cuiabá, pelos irmãos Lotufo, possuir um telefone fixo era privilégio raro.
A central funcionava em um sobrado ao lado direito do Palácio da Instrução, com vista generosa para a Praça da República.
Ali, uma telefonista sentada diante de um grande painel, recebia as chamadas que chegavam pelos fios estendidos nos postes da cidade.
Cada aparelho tinha número e manivela.
Girava a manivela, chamava-se a central, e aguardava-se.
O bar do meu pai foi um dos primeiros a adquirir a novidade trazida por dois irmãos italianos.
O telefone do bar fazia parte da primeira dezena de números da cidade.
A telefonista sabia de tudo.
Sabia quem estava em casa, quem tinha ido aos Correios e Telégrafos, quem passara na farmácia do "seo" Vieira.
Muitas vezes aconselhava: ‘Ligue mais tarde, a pessoa ainda não voltou’.
E avisava quando ela retornava.
O telefone do bar também prestava serviço de utilidade pública.
Atendia aos taxistas que faziam ponto ao lado, servia de recado, de referência e de socorro.
Com o tempo, veio a modernidade.
Os telefones fixos viraram troféus.
Raras casas ainda os possuem.
E, curiosamente, o telefone deixou de interromper conversas.
Hoje, a hierarquia é outra.
A prioridade não é mais da telefonista, nem do aparelho.
É de quem atende.
Todos têm ‘binas’, escolhem quem ouvir, quem ignorar, quem silenciar.
Até as crianças comandam seus próprios silêncios.
O poder mudou de lugar.
A conversa, que antes esperava o telefone, agora é interrompida por quem decide atender — ou não.
Restou a memória dos tempos antigos, quando o robô ainda não fazia parte da nossa vida.
Gabriel Novis Neves
19-12-2025
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