segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

A CONVERSA ESPERAVA O TELEFONE


Não foi o telefone que interrompeu a conversa. Foi a hierarquia do tempo, sempre mudando de dono.    

 

Quando foi instalada a Central Telefônica de Cuiabá, pelos irmãos Lotufo, possuir um telefone fixo era privilégio raro.

 

A central funcionava em um sobrado ao lado direito do Palácio da Instrução, com vista generosa para a Praça da República.

 

Ali, uma telefonista sentada diante de um grande painel, recebia as chamadas que chegavam pelos fios estendidos nos postes da cidade.

 

Cada aparelho tinha número e manivela.

 

Girava a manivela, chamava-se a central, e aguardava-se.

 

O bar do meu pai foi um dos primeiros a adquirir a novidade trazida por dois irmãos italianos.

 

O telefone do bar fazia parte da primeira dezena de números da cidade.

 

A telefonista sabia de tudo.

 

Sabia quem estava em casa, quem tinha ido aos Correios e Telégrafos, quem passara na farmácia do "seo" Vieira.

 

Muitas vezes aconselhava: ‘Ligue mais tarde, a pessoa ainda não voltou’.

 

E avisava quando ela retornava.

 

O telefone do bar também prestava serviço de utilidade pública.

 

Atendia aos taxistas que faziam ponto ao lado, servia de recado, de referência e de socorro.

 

Com o tempo, veio a modernidade.

 

Os telefones fixos viraram troféus.

 

Raras casas ainda os possuem.

 

E, curiosamente, o telefone deixou de interromper conversas.

 

Hoje, a hierarquia é outra.

 

A prioridade não é mais da telefonista, nem do aparelho.

 

É de quem atende.

 

Todos têm ‘binas’, escolhem quem ouvir, quem ignorar, quem silenciar.

 

Até as crianças comandam seus próprios silêncios.

 

O poder mudou de lugar.

 

A conversa, que antes esperava o telefone, agora é interrompida por quem decide atender — ou não.

 

Restou a memória dos tempos antigos, quando o robô ainda não fazia parte da nossa vida.

 

Gabriel Novis Neves

19-12-2025




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