É estranho procurar aquilo que sempre esteve à nossa vista.
Esse tipo de distração acontece com mais frequência em pessoas cansadas, envelhecidas ou vítimas das ironias da vida.
Às vezes, fatores externos — ruídos, excesso de luz, interrupções — confundem a atenção. Outras vezes, o problema nasce dentro de nós: estresse, ansiedade, fadiga ou simplesmente o acúmulo dos anos.
O envelhecimento nos vai desligando das coisas simples.
Esquecer os óculos em cima da mesa ao sair de casa passa a ser um gesto corriqueiro.
Ironia maior é quando o oftalmologista, especialista do olhar, deixa os próprios óculos esquecidos sobre a mesa do consultório.
O anedotário da distração é vasto.
Há casos que beiram o riso, outros que assustam.
Antigamente, não era raro ouvir histórias de compressas esquecidas no abdome de um paciente após uma cirurgia.
Eram tempos em que os procedimentos cirúrgicos careciam dos recursos e controles tecnológicos de hoje.
O velho esquece.
Esquece por fragilidade das sinapses, pela lentidão do fluxo sanguíneo, pelo cansaço acumulado da vida inteira.
Envelhecer é um estado geral de perda —inclusive da memória.
Mesmo assim, o esquecimento não chega de uma vez; ele se infiltra devagar.
Escrever todos os dias é, para mim, um exercício cerebral.
Uma ginástica discreta que ajuda a retardar o apagamento das lembranças.
Isso não significa imunidade: pequenos lapsos aparecem, sobretudo quando o assunto são nomes próprios, que parecem os primeiros a se despedir.
A ironia da vida mora nesses contrastes.
Temos pressa em crescer e, mais tarde, sentimos saudade da infância.
Perdemos a saúde tentando ganhar dinheiro e depois gastamos o dinheiro tentando recuperar a saúde.
Esperamos certezas e a vida nos entrega surpresas.
Talvez os óculos esquecidos em cima da mesa seja um aviso silencioso: nem tudo precisa estar sempre sob controle.
Às vezes, ver menos ajuda a enxergar melhor.
Gabriel Novis Neves
04-12-2025
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