Há um instante exato em que o jaleco troca de lado.
A sala de espera ensina lições que nenhum livro de Medicina descreveu.
Como médico, observo que somos, muitas vezes, clientes indesejados de nós mesmos.
Discutimos diagnósticos, interferimos na conduta terapêutica, criamos inseguranças na hipótese diagnóstica — e até no sucesso do tratamento.
Na sala de espera comportamo-nos como médicos dos outros pacientes.
Como professor no Hospital Universitário, descobri que o verdadeiro consultório era a sala de espera.
Lá, uma paciente conversava com as outras sobre sintomas que jamais revelava ao médico.
As confidências circulavam livres, sem o peso do jaleco.
Resolvi então sentar-me entre elas, como simples acompanhante, sem o uniforme branco que denuncia o médico.
Quando eram chamadas, eu entrava sorrateiramente e me colocava ao lado do interno — estudante do quinto e sexto ano da faculdade de Medicina.
As queixas que se ouviam lá fora eram cuidadosamente escondidas do médico — consideradas por elas, ‘pouco importantes’.
No entanto, ali estavam pistas valiosas para uma boa anamnese.
A sala de espera me ensinou o que os livros ignoram.
O jaleco branco tem o poder de transformar estudantes em sábios instantâneos, afastando-os dos pacientes.
Os pediatras sabem disso: atendem sem o branco para não assustar as crianças.
Criança tem medo do jaleco, não de quem o veste.
Deveria existir no curso de Medicina, a disciplina ‘Sala de Espera’ — a mais humana das que cursei, na vida.
É ali que o paciente se sente à vontade para expor o que guarda no fundo do coração,
facilitando o diagnóstico e aproximando o médico da sua verdadeira missão.
Os livros de Medicina ensinam tecnologias.
A sala de espera ensina humanidade.
E nenhuma página acadêmica descreveu, até hoje, a grande lição que ela oferece: é o único lugar onde o médico se comporta como paciente.
Gabriel Novis Neves
11-12-2025
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