quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

OBJETOS GUARDADOS


Existe sempre um objeto esquecido em alguma gaveta que, à primeira vista, não serve para nada.

 

Não tem valor comercial, não funciona, não enfeita.

 

Mesmo assim, permanece.

 

Não lembramos quando chegou, mas sabemos, com uma certeza estranha, que não podemos jogá-lo fora.

 

É um pacto silencioso entre nós e a memória.

 

Pode ser uma chave sem porta, um botão sem camisa, um papel amarelado escrito com letra antiga.

 

O objeto não fala, mas insiste.

 

Abrimos a gaveta, olhamos, tocamos de leve e a fechamos outra vez.

 

Ainda não é hora.

 

Nunca é.

 

Talvez o objeto não esteja esperando ser usado, mas lembrado.

 

Talvez seja apenas um pretexto para manter vivo um tempo que não volta.

 

Guardamos porque, no fundo, tememos que, ao descartá-lo, algo de nós siga junto.

 

Na mesinha de cabeceira da cama acumulo uma infinidade de pequenos objetos sem utilidade prática.

 

São tantas chaves que suspeito que algumas pertençam a antigas moradias.

 

Esticadores de colarinho se multiplicam, vestígios da época das camisas de manga comprida e da gravata diária.

 

Há anotações indecifráveis em pedaços de papel, lentes antigas de óculos que já não servem, acompanhadas de receitas desbotadas pelo tempo.

 

Abotoaduras de um passado remoto.

 

Cartões da antiga loteria esportiva, dos tempos da zebrinha.

 

Penso em esvaziar a gaveta, mas me falta coragem.

 

Tenho a sensação de que, junto com os objetos, iria embora uma parte de mim — de uma época que me marcou.

 

Como nos apegamos aos bens materiais, mesmo àqueles sem valor algum.

 

Será assim com todos ou apenas com os velhos como eu?

 

Reparo que os idosos guardam até envelopes vazios.

 

Resultados de exames de imagem, com seus volumosos invólucros, ocupam boa parte do armário de roupas.

 

Meu apartamento é duplex, com inúmeras gavetas, todas repletas de fragmentos da minha memória.

 

Continuarei com elas assim, intactas, na doce ilusão de que um dia ainda me serão úteis — ou, quem sabe, apenas necessárias para que eu continue sendo quem sou.

 

Gabriel Novis Neves

21-12-2025




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