terça-feira, 17 de setembro de 2013

SABER A HORA

O poeta tinha razão quando disse que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Há um ano, pensei em fazer “minha hora” como médico de consultório.
Excelente de saúde física e mental quis o destino que as articulações dos meus joelhos me avisassem que tinha chegado ao final a carreira profissional de médico das urgências e emergências, que é o mundo da obstetrícia.
Já enfrentei várias situações em que não me sentia preparado - desde o meu nascimento em casa, em morte aparente e com baixo peso.
Os primeiros estudos em Cuiabá. O sonho de ser médico, formado pela melhor escola de medicina do Brasil, a nossa querida Faculdade da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
Casamento, filhos, luta pela sobrevivência, a viuvez não esperada.
O recomeço e o tempo passando. Tudo mudou. Éramos nove irmãos. Somos oito. Minha família, agora, sou eu. Meus filhos constituíram novas famílias, assim como meus irmãos, sobrinhos e primos.
Passei a publicar os meus sonhos na imprensa. E o tempo passando deixando saudades daqueles que partiram.
Temo ficar sem contemporâneos para conversar. Novas amizades neste período são mais difíceis de serem feitas. Desconfio ser o idoso mais seletivo e exigente nas suas escolhas.
Quando isso acontece, é importante guardar o prêmio recebido no cofre forte das emoções.
Sempre temia o momento do afastamento do atendimento aos meus clientes.
Precisei de energia - que nem sei onde a encontrei - para evitar essa separação do velho aparador de crianças que, por mais de meio século, cortou muitos cordões umbilicais.
Não fosse a minha psicoterapeuta, estaria amargurando o sabor de uma derrota evitável. Muito trabalho, disciplina e obstinação, restituíram-me ao meu ambiente: a sala de partos. Após um ano de ausência voltei a cortar o umbigo de uma menininha - a minha grande vitória.
É o feitiço virando contra o feiticeiro. O tempo, e só ele, seria capaz de me separar da razão de tudo que sei e aprendi, e que foi adquirido com esse contato diário com os meus pacientes.
Sinto que afastado deles perco metade de mim. É o inevitável ciclo vital, cuja fuga é impossível.
Quem sabe faz a hora. Esta felizmente ainda não chegou para mim.
Continuarei, espero que por longo tempo, nessa missão e em outras frentes de trabalho humanizado.
“Toda gente é capaz de sentir os sofrimentos de um amigo. Ver com agrado os seus êxitos exige uma natureza muito delicada.” Oscar Wilde.

Gabriel Novis Neves
27-08-2013

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