terça-feira, 10 de setembro de 2013

Dona

Estudei na Escola Modelo Barão de Melgaço no período de 1942 – 1945, e lá concluí o meu curso primário. Tive excelentes educadoras, e chamava-as de professora.
É complicado voltar tanto assim no tempo. Não que seja complicado relatar vivências dessa época – o que pega são os nomes. Já passei vexames abomináveis por causa disso. Sempre me esqueço de citar alguém. E nesse caso não será diferente. Com certeza me esquecerei de citar o nome de várias professoras. Mas vou arriscar assim mesmo, e antecipadamente me desculpo pelos nomes omitidos. 
Feito o devido esclarecimento, cito a minha professora Oló, professora Diva, professora Calú, professora Nélia, professora Célia, professora Corininha, professora Ione, professora Delza e professora Jaira. 
Entre todas as minhas educadoras, uma, porém não era chamada de professora, e sim de dona. Por questões que fugiam a minha compreensão, a professora Alina Tocantins era a única a ser chamada de dona. Dona Alina - a nossa simpática e amiga diretora. Todas as nossas reivindicações eram feitas na diretoria, para dona Alina. Não era uma diretora autoritária, nem incutia medo nos alunos, muito pelo contrário, era amada e respeitada por todos. 
Mesmo depois de me formar médico, continuei a chamá-la de dona. Guardo muitas recordações boas da dona Alina! Tanto dentro como fora da escola. 
Uma das mais marcantes é a imagem de Dona Alina na sua cadeira de balanço. Todas as tardes ela sentava-se na sua cadeira de balanço em frente à sua casa na Rua 13 de junho – na calçada naturalmente, como era costume na época - elegantemente vestida com um enorme leque para espantar o calor de Cuiabá. Ao seu lado, também sentado em uma cadeira de balanço, o eterno namorado Odorico Tocantins. E conversavam. E balançavam. Como tinham assunto para conversar! Todas às vezes que por lá passava, com a curiosidade própria das crianças, observava aquela cena que, hoje sei o que significava: amor, companheirismo! Eles conversavam e riam, naquela camaradagem que só o verdadeiro amor produz. Mas não era só a conversa entre o casal que fazia a felicidade da dona Alina. Todos os que passavam por ali, paravam para um dedinho de prosa. Não raro dona Alina tinha que solicitar de sua auxiliar doméstica mais cadeiras na calçada.  Essas conversas ficaram famosas e algumas pertencem ao nosso folclore. 
A mais conhecida delas é um diálogo imaginário da dona Alina com o seu afilhado Firmino - conhecido pelo apelido de Guaporé. Dizem que a dona Alina estava na sua inseparável cadeira de balanço, num domingo à tarde, quando se aproxima o seu afilhado: banho tomado, barba feita, roupa limpa e engomada, sapatos engraxados. Para diante da dona Alina e de mãos postas pede-lhe a benção. “Deus te abençoe”, responde a sua madrinha. Guaporé, que era oligofrênico, fica quieto.
Dona Alina puxa conversa com ele: “- O que foi Firmino? (ela nunca o chamou pelo apelido), você me parece triste e abatido”. E ele meio desconsolado responde: “Ah, minha madrinha, muito trabalho! É o dia todo carregando água da prainha para a Pensão Pécora. Folga só domingo, após o almoço”.
A madrinha o consola e a conversa se estende, com dona Alina sempre muito atenciosa. É notável e sempre digna de registro a sua habilidade ímpar no trato com os desiguais.  Um dia talvez escreva uma peça de teatro sobre esse diálogo, tão apreciado pelos cuiabanos! 
Obrigado dona Alina, por ter sido uma personalidade marcante na minha formação como cidadão!     

Gabriel Novis Neves
01/05/2010

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