quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A CIDADE VISTA DA VARANDA


A varanda das casas antigas de Cuiabá era um palco de observação: dali se via o nascer do sol, o vai e vem das pessoas, o som distante das conversas.

 

Penso em como a paisagem muda, mas certos ruídos e cheiros permanecem.

 

O nascer do sol era de todos, numa cidade, sem os espigões de concreto, que depois surgiram e roubaram dos moradores a beleza do despertar do dia.

 

Das varandas assistia-se ao movimento das pessoas, antes da invasão dos automóveis e motocicletas, com sua poluição e pressa.

 

Também as conversas distantes se apagaram com o tempo.

 

Assim era a cidade quando nasci e cresci — uma cidade que só aprendi a compreender anos mais tarde.

 

O chamado ‘progresso’ nos sonegou um dos espetáculos mais lindos da natureza: o sol nascendo e clareando o dia, visto das varandas de nossas casas.

 

À tarde, o pôr do sol nos brindava com cores e despedidas, deixando um rastro de tristeza, com a promessa de um ‘até amanhã’.

 

O silêncio tomava conta da cidade, percebido da varanda, sem o burburinho das vozes distantes.

 

Íamos dormir certos de que a cena se repetiria, sempre igual, sempre nova.

 

Aos poucos, quase sem percebemos, tudo se alterou.

 

A paisagem mudou, mas alguns ruídos e cheiros ficaram gravados na memória.

 

Às vezes chego a duvidar que a cidade onde moro seja a mesma em que nasci, tamanha a distância entre lembrança e realidade.

 

Hoje, tudo é tão diferente!

 

O ranger das rodas de madeira das carroças sobre os paralelepípedos foi substituído pelo deslizar dos pneus no asfalto.

 

O cheiro dos bolos de mamãe cedeu lugar ao odor da borracha queimada.

 

O som das conversas ao longe desapareceu, trocado pelas transmissões incessantes dos campeonatos de futebol, masculino e feminino.

 

A paisagem mudou: de Cidade Verde para Cuiabá Brasa.

 

Os ruídos e cheiros da minha infância sobrevivem apenas nos arrabaldes e às margens do rio Cuiabá.

 

Gabriel Novis Neves

23-08-2025




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