O armário onde guardo meus sapatos está abarrotado deles; uns bastante usados, outros quase novos.
Alcancei uma idade em que objetos de uso pessoal — como roupas e sapatos — já não preciso mais ganhar ou comprar.
Tenho o suficiente para usar pelo resto desta vida.
Os calçados antigos, gastos, carregam nos pés de seus donos muitas e deliciosas histórias.
Aquele do meu baile de formatura guarda segredos infinitos — e ainda repousa no meu armário.
Assim como as pessoas envelhecem e ficam encostadas, eles também.
O que calçava no dia do ruído que só eu ouvi, ainda está comigo, como a chave de um hotel esquecido.
Já não tenho mais os resistentes tanques colegiais da minha época de aluno do Colégio dos Padres.
Eles produziam calos na garotada, mas resistiam bravamente ao tempo.
Os sapatos são indiscretos; olham sempre as pessoas, de baixo para cima.
Quando muito usados, recorriam à ajuda dos sapateiros de Cuiabá, mestres em colocar meia-sola, ou sola inteira.
Eu justificava ao meu pai o gasto com o conserto, dizendo que ‘ele andava sozinho’.
Não me lembro do sapato que usei no meu casamento, nem que fim levou, com segredos que até eu esqueci.
Não valorizamos nosso passado e perdemos histórias que, até nos nossos pés, carregamos.
Hoje usamos sapatos de pano e borracha que, quando envelhecidos, vão direto ao lixo.
Pessoas e amizades também se tornam descartáveis, e assim estamos criando uma geração sem memórias.
Aprendi a valorizar o que é muito usado e antigo com o meu avô Alberto Novis, apelidado de ‘pão duro’ ou ‘mão fechada’.
Ele conhecia a poesia silenciosa que esses objetos, por mais simples que fossem, carregavam — e que nos fazem companhia na velhice.
Como gosto de visitar minha biblioteca, impregnada de histórias escondidas em suas gavetas e prateleiras!
Só não sei quem herdará essas preciosidades de um passado não tão distante.
Gabriel Novis Neves
09-08-2025
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