Funcionava como um mirante da vida: quem passa, quem acena, quem corre, quem sorri, quem nunca mais voltou.
As pessoas se debruçavam sobre elas como marinheiros em faróis vigiando os oceanos da existência.
Quantos namoros e casamentos se iniciaram sob uma janela!
Negócios eram fechados, viagens combinadas, notícias sussurradas.
As pessoas se acenavam — umas pela primeira vez, outras pela última.
Algumas com sorriso, outras com tristeza no olhar.
Hoje, na minha rua, só há espigões de concreto armado.
O progresso nos roubou as janelas da minha rua.
Rua sem janela é rua mal-assombrada, sem gente, desumanizada.
As janelas das ruas de Cuiabá, tinham donos.
A mais famosa da minha rua era a da casa de Nhô Nhô de Manduca, na rua do Campo.
Ficou conhecida por ser casa de tia Codó, mãe de Bem-Bem.
Era um casarão com várias janelas voltadas para a rua, sempre ocupadas por uma das filhas da tia Codó.
Acenavam, mandavam recados, conversavam por horas sobre os mais variados assuntos.
Quem estava com pressa evitava passar diante da janela da popular Bem-Bem.
Recém-chegado à Cuiabá, certo dia passei de carro por ali.
Bem-Bem, à janela, pediu que eu parasse.
Encostei o carro no meio-fio e ela veio abrir a porta do automóvel.
Tinha um assunto sério a tratar — algo que deveria ficar entre nós dois.
Jurei pela minha mãe que assim seria.
Mas era impossível, diante de um quadro tão grave de saúde, já irreversível, não comunicar aos seus familiares.
Na Cuiabá de antigamente, os velórios aconteciam nas casas, com o caixão na sala da frente.
A funerária cobria as janelas com cortinas pretas, e todos os vizinhos e amigos se dirigiam à casa do falecido.
Na rua do Campo, onde me criei, as janelas eram usadas como sala de visitas — como fazia o historiador Estevão de Mendonça.
A casa da Bem-Bem foi tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Hoje é símbolo da cuiabania revitalizada.
Em seu espaço funciona o Instituto Ciranda — Casa de Bem Bem.
Gabriel Novis Neves
04-07-2025
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