Fui criado em um casarão na rua do Campo com fundos voltados para a rua da Fé.
Seu quintal era imenso.
Além de ser o local preferido para os brinquedos da infância, suas árvores frondosas e frutíferas ofereciam abrigo contra o sol causticante de Cuiabá.
Lembro-me dos mangueirais, com os mais variados tipos de manga.
A minha predileta era a bourbon, chupada no galho mais alto da árvore.
Como era gostoso chegar com fome das aulas do Colégio dos Padres, deixar os sapatos na varanda de casa e correr para o quintal, onde matava a fome com mangas maduras colhidas no pé — sem deixá-las amassar!
Até hoje sonho com o meu quintalão, com suas jabuticabeiras doces, goiabeiras, atas, pitombas, cajás, cajus, melancias... e sua generosa sombra.
Ali, exercíamos a criatividade juvenil, construindo brinquedos de barro com casas, estradas, pontes e rios.
Explosão de risos — e também de castigos.
Era o cenário das festas juninas, com fogueiras e danças típicas e também das partidas, quase sempre para estudar.
Quando retornei dos estudos já não encontrei o quintalão da casa onde cresci.
Em seu lugar havia sido construída uma casa assobradada.
Eu perdera um dos grandes marcos da minha infância.
Anos depois, a própria casa foi demolida, dando lugar a um estacionamento de automóveis.
Hoje, aos noventa anos, moro em uma cidade totalmente descaracterizada daquela em que nasci e cresci — e que tanto amava!
As casas dos meus avós foram ao chão, e até o prédio do bar do meu pai tornou-se irreconhecível.
Perdi minha identidade histórica com os lugares onde tudo começou.
É uma cidade sem risos.
E as partidas de seus filhos não são mais celebradas com as despedidas dos familiares e da vizinhança.
Também desapareceram os casarões —e com eles, seus quintalões.
Gabriel Novis Neves
05-07-2025
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