quinta-feira, 7 de agosto de 2025

SOB A SOMBRA DAS MANGUEIRAS


Fui criado em um casarão na rua do Campo com fundos voltados para a rua da Fé.

 

Seu quintal era imenso.

 

Além de ser o local preferido para os brinquedos da infância, suas árvores frondosas e frutíferas ofereciam abrigo contra o sol causticante de Cuiabá.

 

Lembro-me dos mangueirais, com os mais variados tipos de manga. 

 

A minha predileta era a bourbon, chupada no galho mais alto da árvore.

 

Como era gostoso chegar com fome das aulas do Colégio dos Padres, deixar os sapatos na varanda de casa e correr para o quintal, onde matava a fome com mangas maduras colhidas no pé — sem deixá-las amassar!

 

Até hoje sonho com o meu quintalão, com suas jabuticabeiras doces, goiabeiras, atas, pitombas, cajás, cajus, melancias... e sua generosa sombra.

 

Ali, exercíamos a criatividade juvenil, construindo brinquedos de barro com casas, estradas, pontes e rios.

 

Explosão de risos — e também de castigos.

 

Era o cenário das festas juninas, com fogueiras e danças típicas e também das partidas, quase sempre para estudar.

 

Quando retornei dos estudos já não encontrei o quintalão da casa onde cresci.

 

Em seu lugar havia sido construída uma casa assobradada.

 

Eu perdera um dos grandes marcos da minha infância.

 

Anos depois, a própria casa foi demolida, dando lugar a um estacionamento de automóveis.

 

Hoje, aos noventa anos, moro em uma cidade totalmente descaracterizada daquela em que nasci e cresci — e que tanto amava!

 

As casas dos meus avós foram ao chão, e até o prédio do bar do meu pai tornou-se irreconhecível.

 

Perdi minha identidade histórica com os lugares onde tudo começou.

 

É uma cidade sem risos.

 

E as partidas de seus filhos não são mais celebradas com as despedidas dos familiares e da vizinhança.

 

Também desapareceram os casarões —e com eles, seus quintalões.

 

Gabriel Novis Neves

05-07-2025




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