Antigamente vinha carta, agora vem pizza.
Ainda há afeto nas entregas?
Guardo na memória centenas de cartas que recebi de minha mãe.
Vinham cheias de amor e incentivos.
Eu, adolescente, morando em vaga de quarto numa pensão, vindo de uma cidade do interior onde a moeda era o afeto, sabia que enfrentaria tempos difíceis — e minha mãe também sabia.
Era uma experiência única, cheia de riscos: enfrentar o vestibular altamente competitivo, cumprir o serviço militar no mesmo período dos estudos de Medicina, lidar com a eclosão hormonal sem ter a quem pedir orientação.
O dinheiro curto, sem direito ao lazer.
Nem namorar podia, pois me faltava até o ingresso para o cinema.
Quando olho para trás, não acredito que passei por tudo isso.
Sai ileso desses desafios, sustentado pelas cartas de minha mãe — verdadeiras transfusões de coragem e ternura.
Retornei casado à minha cidade natal.
Nunca mais recebi ou escrevi cartas.
Os carteiros desapareceram — aqueles que inspiraram poetas e deram origem a lindas canções populares, como as imortalizadas pela voz de Isaurinha Garcia, cantora de São Paulo.
O carteiro foi substituído pelo motoboy, que entrega pizzas.
O afeto que havia na entrega da carta —aquele que provocava taquicardia e lágrimas de emoção — sumiu com a chegada da pressa.
O motoboy entrega a encomenda, recebe o cartão do banco, passa na maquininha.
Nem sempre uma palavra é trocada.
Tudo ficou motorizado, perdendo a beleza do caminhar do carteiro e das palmas no portão, chamando pelo destinatário.
Ainda existem os Correios e Telégrafos, prestando alguns serviços, como descobri recentemente.
Meu novo cartão bancário chegou pelos Correios — entregue na portaria do prédio, sem afeto algum, por maior que fosse a minha necessidade.
O motoboy jamais substituirá o carteiro — esse funcionário quase artesanal, que conhece todas as ruas e seus moradores, que carrega não apenas encomendas, mas também histórias.
Os carteiros são de carreira.
Os motoboys, passageiros.
Gabriel Novis Neves
10-08-2025
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