sábado, 23 de agosto de 2025

ABRIR AS PORTAS


Sou de um tempo em que a porta da rua raramente se fechava.

 

Vivíamos sempre prontos para receber visitas inesperadas — e como eram bem-vindas!

 

Crianças entravam e saiam sem pedir licença, trazendo a alegria de suas risadas.

 

Vizinhos batiam à porta para pedir um pouco de açúcar ou um punhado de café.

 

Havia confiança.

 

Havia hospitalidade.

 

Hoje, as portas são trancadas com fechaduras eletrônicas e só se abrem em dias de festa, vigiadas por seguranças postados ao lado.

 

A confiança e a espontaneidade se foram, e as visitas, quando existem, já vêm anunciadas e agendadas.  

 

Os vizinhos mal se conhecem; as crianças só entram e saem na hora marcada.

 

O gesto simples de pedir uma colher de açúcar ou um pouco de pó de café tornou-se lembrança distante.

 

Com o progresso, a cidade onde nasci transformou-se noutra.

 

Na minha, reinavam a camaradagem e a vida partilhada.

 

As portas das casas permaneciam abertas, e o entra e sai de vizinhos era natural.

 

Vizinho era parente, e as crianças primos e afilhados uns dos outros.

 

Hoje, proliferam os condomínios fechados, afastados da cidade, guardados por porteiros, câmaras e interfones.

 

Neles, as pessoas parecem ainda mais distantes.

 

Até o clima é diferente — sempre ameno, como se quisesse afastar o calor humano que sobrava na cidade.

 

Para manter essas casas, multiplicam-se os funcionários; motoristas são indispensáveis.

 

Tudo fica longe, inacessível a passos.

 

O comércio, as escolas, até as igrejas — nada está por perto.

 

Tenho saudades dos casarões assobradados da minha Cuiabá, onde tudo era próximo e tinha cheiro doce amizade.

 

Naqueles tempos, as crianças brincavam de como pular amarelinha, jogar botão pelos corredores, disputar ‘me dá um canto’ nas calçadas.

 

As portas abertas deixavam entrar a vida.  

 

Até as missas de domingo e as festas dos santos vizinhos cabiam no nosso bairro — e no nosso coração.

 

Hoje, as amizades se constroem em salões de festas distantes, dentro de casas de espetáculos, longe de onde se vive.

 

Essa cidade de agora não é a minha.

 

A minha tinha portas abertas e cadeiras de balanço nas suas calçadas, onde se recebiam visitas para conversar, trocar histórias e servir um cafezinho fumegante, que vinha acompanhado de afeto.

 

Gabriel Novis Neves

12-08-2025




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.