Sou de um tempo em que a porta da rua raramente se fechava.
Vivíamos sempre prontos para receber visitas inesperadas — e como eram bem-vindas!
Crianças entravam e saiam sem pedir licença, trazendo a alegria de suas risadas.
Vizinhos batiam à porta para pedir um pouco de açúcar ou um punhado de café.
Havia confiança.
Havia hospitalidade.
Hoje, as portas são trancadas com fechaduras eletrônicas e só se abrem em dias de festa, vigiadas por seguranças postados ao lado.
A confiança e a espontaneidade se foram, e as visitas, quando existem, já vêm anunciadas e agendadas.
Os vizinhos mal se conhecem; as crianças só entram e saem na hora marcada.
O gesto simples de pedir uma colher de açúcar ou um pouco de pó de café tornou-se lembrança distante.
Com o progresso, a cidade onde nasci transformou-se noutra.
Na minha, reinavam a camaradagem e a vida partilhada.
As portas das casas permaneciam abertas, e o entra e sai de vizinhos era natural.
Vizinho era parente, e as crianças primos e afilhados uns dos outros.
Hoje, proliferam os condomínios fechados, afastados da cidade, guardados por porteiros, câmaras e interfones.
Neles, as pessoas parecem ainda mais distantes.
Até o clima é diferente — sempre ameno, como se quisesse afastar o calor humano que sobrava na cidade.
Para manter essas casas, multiplicam-se os funcionários; motoristas são indispensáveis.
Tudo fica longe, inacessível a passos.
O comércio, as escolas, até as igrejas — nada está por perto.
Tenho saudades dos casarões assobradados da minha Cuiabá, onde tudo era próximo e tinha cheiro doce amizade.
Naqueles tempos, as crianças brincavam de como pular amarelinha, jogar botão pelos corredores, disputar ‘me dá um canto’ nas calçadas.
As portas abertas deixavam entrar a vida.
Até as missas de domingo e as festas dos santos vizinhos cabiam no nosso bairro — e no nosso coração.
Hoje, as amizades se constroem em salões de festas distantes, dentro de casas de espetáculos, longe de onde se vive.
Essa cidade de agora não é a minha.
A minha tinha portas abertas e cadeiras de balanço nas suas calçadas, onde se recebiam visitas para conversar, trocar histórias e servir um cafezinho fumegante, que vinha acompanhado de afeto.
Gabriel Novis Neves
12-08-2025
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