O caderno de receitas da minha mãe sumiu — ou se perdeu.
E com ele foi-se também um pouco de história, de afeto, de cheiro de bolo quente.
A profissão das mães da minha infância chamava-se prendas domésticas —expressão tão bonita, e hoje riscada do nosso vocabulário.
As meninas eram educadas para o casamento e para constituir famílias numerosas, com dez, quinze filhos.
Faziam todos os afazeres da casa e carregavam consigo, sempre, um caderno de receitas.
Nesse caderninho havia de tudo: receitas de bolos, salgadinhos, doces, almoços, pratos especiais para datas especiais.
Lembro-me de uma receita da minha avó Eugênia — que não cheguei a conhecer —, a preferida do meu pai — ambrosia.
Quando eu tinha nove anos, para ajudar no orçamento doméstico, minha mãe aceitava encomendas para as festinhas de aniversário das crianças da minha rua.
Eu era o encarregado de carregar na cabeça a bandeja com as guloseimas e depois cobrar.
Aproveitei muito esse período em que morávamos na rua de Baixo.
Aos dez anos mudamos para o casarão da rua do Campo.
A casa era tão grande que meu pai resolveu dividi-la para alugar.
Os negócios da minha mãe prosperaram tanto que ela decidiu preparar salgadinhos, bolos e guloseimas para vender no bar.
Sempre gostou de ter suas economias, para não depender unicamente do meu pai.
No período das férias escolares, eu era o seu braço direito na fritura de pastéis, carregando-os em bandejões de prata para o bar.
O caderno de receitas estava sempre ao seu lado, com páginas coladas de tanto uso.
Tudo era feito manualmente, e ela me ensinou a fritar pastéis enquanto preparava a massa, abrindo-a com uma garrafa.
Foi assim até o dia 8 de maio de 1945, quando ela deixou de fazer pastéis: a massa caseira tinha acabado.
E um dia, não sei quando, o caderno de receitas sumiu — ou se perdeu.
E com ele, foi-se também um pouco de história, de afeto, de cheiro de bolo quente.
Gabriel Novis Neves
07-08-2025
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.