Meu pai nasceu no final do século XIX, e desde cedo temia a chegada do trem a Cuiabá.
Dizia que ele traria gente de todos os cantos, roubando o sossego da sua cidadezinha.
Temia os migrantes vindos de países com culturas muito diferentes da nossa.
Há mais de meio século acompanho o esforço de alguns, tentando estender os trilhos até Cuiabá.
Mas, há anos, eles pararam em Rondonópolis.
O governo justifica que Cuiabá é cidade consumidora, e não exportadora.
O cuiabano, no entanto, ainda deseja o seu trem.
Livros foram escritos narrando a sonhada chegada.
O trem já foi até enredo de escola de samba no Rio de Janeiro.
A prefeitura de Cuiabá investiu no carnaval, mas o trem não veio.
Hoje ninguém mais fala sobre isso.
Os trilhos seguiram para o nortão do Estado, abrindo caminho para as exportações.
Mato Grosso é campeão no envio de soja ao mundo, mas Cuiabá não produz esses grãos.
Nos cantos boêmios da cidade, entre um gole e outro, ainda se discute a chegada do trem — e, mais recentemente, do VLT.
Conversas distantes dos palácios e das universidades.
Para a juventude cuiabana, a lembrança de uma viagem de trem é quase um sonho herdado.
Um sonho feito de estações vivas na memória, do apito distante que corta o ar, dos vendedores ambulantes e das conversas nos vagões.
A ausência desse transporte por aqui me lembra as estações que a vida também deixa para trás.
Da janela de um vagão contemplei as paisagens rurais entre a Rússia e a Romênia, onde a terra é generosa e cultivada.
Vi escolas e bibliotecas ao longo do trajeto.
Ouvi línguas que não compreendia.
Falava com meu grupo, e eles, por sua vez, também desconheciam o assunto.
Percebi, então, que os trilhos não levam apenas mercadorias: fazem florescer cultura e desenvolvimento.
E que as conversas nos vagões têm um perfume de eternidade.
Ainda guardo, como relíquia, a lembrança dessa viagem sonhada, onde tudo era novidade e o trem era mais do que um transporte — era promessa de encontros e horizontes.
Gabriel Novis Neves
11-08-2025
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.