A rua da minha infância parecia não ter fim.
Era larga, com árvores frondosas dos dois lados, e sua sombra se estendia como um abraço fresco nos dias de calor.
O chão era de terra batida, e as marcas das rodas das carroças se mantinham até a próxima chuva.
Eu a percorria de ponta a ponta sem me cansar, sempre encontrando algo novo — um cachorro dormindo ao sol, um vizinho sentado na porta, uma pipa perdida num galho.
As casas eram baixas, com quintais generosos.
Nelas, as galinhas ciscavam à vontade, e as hortas se estendiam até quase a cerca de madeira.
Portas abertas convidavam a entrar, nem sempre para um café, mas para um simples “boa tarde” que durava meia hora de conversa.
Havia cheiro de bolo no ar, de roupa recém-lavada secando ao vento, e o som distante de uma vitrola tocando modinhas.
As crianças eram donas da rua.
Brincávamos de esconde-esconde, queimado, bola de meia e pega-pega.
O vento levantava a poeira, mas ninguém se importava.
Havia risos espalhados como folhas secas, que o tempo não tinha pressa de varrer.
A rua era território de amizade e imaginação.
Hoje, quando volto, não reconheço quase nada.
A rua encolheu.
Não é que ela tenha mudado de medidas no mapa, mas perdeu o espaço que minha memória lhe dava.
O que antes parecia uma avenida sem fim, agora é apenas um quarteirão apertado, sufocado por muros altos e portões de ferro.
As árvores sumiram, substituídas por calçadas estreitas e cimento.
O silêncio foi embora, substituído pelo barulho constante dos carros.
Os vizinhos se trancaram atrás de grades.
Portas não ficam mais abertas; campainhas substituíram os “ô de casa!”.
As crianças desapareceram da rua, presas dentro de apartamentos ou grudadas nas telas brilhantes dos celulares.
O espaço livre virou vaga de estacionamento.
O cinema das tardes quentes de verão fechou há décadas.
O armazém do seu Antônio, onde se comprava de tudo fiado, agora é uma farmácia de rede, igual a tantas outras.
O cheiro de pão quente que vinha da padaria da esquina se perdeu entre o odor de gasolina e o cheiro metálico das oficinas.
Caminho devagar, quase medindo o chão, tentando encontrar vestígios do que foi.
De vez em quando, reconheço uma janela antiga, um portão que resistiu ao tempo, ou uma calçada irregular que guarda a marca de um azulejo antigo.
Mas é raro.
Minha rua foi engolida pelo progresso, ou talvez pelo esquecimento.
Penso que, na verdade, não foi a rua que encolheu.
Foi o tempo que a comprimiu, que a fez caber numa lembrança.
A criança que eu era tinha passos pequenos, mas um mundo imenso diante dos olhos.
O adulto que sou mede tudo com a pressa e a objetividade que o cotidiano impõe.
Mesmo assim, quando fecho os olhos, ela volta a ser como era.
Posso ouvir o som das rodas de ferro das carroças, sentir o cheiro de manga madura caindo no quintal do vizinho, e ver minha mãe me chamando para entrar antes do anoitecer.
Posso ouvir os risos dos amigos, ver a bola de meia rolando, sentir a poeira grudando no suor da testa.
A rua encolheu no mapa real, mas permanece infinita no mapa da minha memória.
Talvez seja assim com todos os lugares que amamos.
O tempo e o progresso os transformam, mas dentro de nós eles permanecem intactos, esperando apenas que a gente feche os olhos e volte a caminhar.
E, na minha lembrança, a rua ainda tem fim?
Não.
Ela continua se perdendo no horizonte, como se fosse feita para nunca acabar.
Gabriel Novis Neves
10-08-2025
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