“Não
me importa o que você diz, mas lutarei até o fim de minha vida para que você
tenha a liberdade de dizê-lo”. Palavras de um verdadeiro democrata.
A
marcha que levou quatro milhões e meio de pessoas às ruas parisienses em
repúdio ao atentado covarde ao jornal francês Charlie Hebdo, contava com a
proteção de oitenta e oito mil policiais, tudo em função dos valores da
revolução francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Diante
de tantas contradições entre o Estado e a população, os cartunistas que
escreviam para esse jornal libertário, contavam apenas com um homem para fazer
a segurança, mesmo após terem sofrido atentados anteriores.
Fato
absolutamente inadmissível num Estado que pretende levar a liberdade de
expressão às últimas consequências.
Diante
desse pilar fundamental para a população, por que não proteger esses
jornalistas mais adequadamente? Esse é apenas um fato que não vi ser comentado.
A
França, mais do que quaisquer outros países da Europa, tem uma formação laica,
vê-se, de repente, na convivência com populações religiosas, sejam elas
islâmicas, judaicas ou de qualquer outra origem, causa de conflitos frequentes.
Por
outro lado, os seus seis milhões de islâmicos, dentre eles uma grande parcela
jovem, já cidadãos franceses, é a que mais detecta a descriminação em que vive,
sempre na periferia, com altas taxas de desemprego, menores oportunidades e
vendo um Estado que não titubeia ao invadir países como a Líbia, a Síria, a
Argélia, o Mali - só para citar os mais importantes.
Isso
sem falar do apoio americano à invasão ao Afeganistão e ao Iraque, um dos
maiores massacres de nossos tempos, tudo sob o pretexto pueril de “ocidentalizar”
essas culturas.
As
crianças são educadas por seus pais dentro dos preceitos religiosos do
islamismo, e como testemunhas visuais dessa dicotomia do Estado francês, dá
para entender porque alguns desses jovens são facilmente aliciados por grupos
fundamentalistas apenas movidos pela violência e pela intolerância religiosa.
Isso
vem acontecendo quando esses indivíduos, ainda que já cidadãos franceses, mas
sem qualquer identidade com o país em que vivem, partam para suas culturas de
origem e retornam após grande treinamento bélico para extravasar o ódio pela pátria onde nasceram e cresceram.
Há,
portanto, que se atentar que esses tristes episódios de violência extrema tem,
além da causa religiosa, uma forte causa política.
Claro,
o poder estabelecido aproveita essas oportunidades para canalizar simpatias, e
não foi diferente com o presidente francês que, nesse momento, amarga a maior
baixa de popularidade de sua carreira política.
Líderes
mundiais dos diversos países compareceram apenas para reiterar os ideais
democráticos.
Eles
apenas se esqueceram de que apenas braços dados não estreitam os laços entre os
países, é preciso que novas práticas éticas, morais e sociais sejam
verdadeiramente praticadas entre os povos e que o espírito de humanidade invada os habitantes desse planeta como um
todo.
O
comportamento equivocado do Ocidente com as diversas invasões, primeiro no
Afeganistão e depois no Iraque, foi o grande estopim para desencadear todo esse
mar de ódio no mundo, cujas consequências já parecem imprevisíveis.
Resta-nos
torcer para que figuras lúcidas do poder, com cabeças pensantes, abdiquem de
suas vaidades pessoais, de sua sede de domínio, de seus impulsos bélicos e
consigam trazer o mundo de volta das trevas
e desses ódios que ora nos aniquilam e nos envergonha.
Gabriel
Novis Neves
12-01-2015
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