quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A BARATA VOADORA


O dia 31 de Julho de 1964 marcou o meu retorno à Cuiabá após 12 anos no Rio de Janeiro.
Fui para a Cidade Maravilhosa levando na minha mala de papelão algumas roupas e muita esperança. Tentaria o difícil vestibular para a Faculdade Nacional de Medicina.
A famosa Medicina da Praia Vermelha, logomarca de excelência no Ensino Médico.
Passei no vestibular, me formei, fiz estágios em hospitais e, quando me senti pronto para o exercício da profissão, retornei à minha cidade.
Mas, não retornei sozinho. Levava comigo duas preciosas bagagens – a minha Regininha, naquela época com vinte anos - e minha filha Mônica, no aconchego do útero materno.
Deixei a mala de papelão no Rio. O passado eu deixei no lugar dele, no passado. O meu presente era composto por sonhos e desafios.
Regininha, minha saudosa mulher, era nobre de nascimento e sentimentos. Era argentina - brasileira. Possuía uma educação sofisticada, requintada, com grande vivência urbana.
Eu sabia que nos primeiros dias em Cuiabá todo cuidado seria necessário para evitar o choque de culturas.
Longe de mim, entretanto, imaginar que esse choque aconteceria na nossa primeira noite em Cuiabá.
Nossa casa era muito modesta. Não tínhamos ar refrigerado e o calor era impiedoso.
Regininha preparou-se para dormir. Deitado na cama eu fiquei observando-a fazer suas orações. Percebi algumas lágrimas silenciosas escorrem pelo seu rosto.
Sugeri que abríssemos as janelas para refrescar o quarto. Ela assim o fez. Depois apagou a luz, me abraçou forte e me beijou.
Considerei-me um vencedor na condução da nossa chegada. Amanhã seria outro dia e outros cuidados estavam planejados para a sua adaptação.
A escuridão tomou conta do nosso quarto em companhia da calma noturna. Notei que a Regininha estava com dificuldade para dormir.
Era mais que natural! Fingi que dormia. Logo o silêncio do quarto foi quebrado com um estranho barulho. Regininha imediatamente sentou-se na cama e acendeu a luz.
Com extremo pavor perguntou-me o que estava acontecendo. Levantei-me da cama para procurar o motivo, mas sabia que era de um inseto.
Muito ansiosa ela ficou aguardando enquanto eu vasculhava o quarto.
Depois de algum tempinho digo que não é nada, apenas uma barata voadora que tinha entrado pela janela.
Assustada, olhos arregalados, choramingando, trêmula, demonstrando muito sofrimento, perguntou-me meio incrédula: “Aqui, barata voa?”.
Com tranquilidade terapêutica respondi que sim. O choro tornou-se incontrolável.
Veio então o diálogo maior da nossa vida!
- Regininha, nós não mexemos nas malas. O avião que nos trouxe do Rio está no aeroporto e vai decolar para o Rio às seis horas da manhã – falei com carinho.
Ela escutou quieta e não disse nada. Perguntei-lhe então se queria voltar. Iria com ela. Neste momento Regininha toma a decisão definitiva:
- Eu fico aqui com você. Vou me acostumar - disse resoluta.
No dia 07 de Setembro nasceu minha filha Mônica. Depois o Ricardo e o Fernando. Três filhos cuiabanos, por decisão dela.
A barata voadora foi a nossa grande recepcionista em Cuiabá, e acho que a grande responsável pela família que formamos em terras cuiabanas.
Isto porque, depois de uma barata voadora, o que mais poderia assustar a minha Regininha?
Hoje a minha corajosa esposa dorme o sono eterno em Cuiabá.
Partiu cedo a minha Regininha!
Mas, com toda certeza, da morada espiritual em se encontra, está velando, protegendo e iluminando os caminhos de seus filhos e netos.
Obrigado, barata voadora!

Gabriel Novis Neves

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