O
dia 31 de Julho de 1964 marcou o meu retorno à Cuiabá após 12 anos no Rio de
Janeiro.
Fui
para a Cidade Maravilhosa levando na minha mala de papelão algumas roupas e
muita esperança. Tentaria o difícil vestibular para a Faculdade Nacional de
Medicina.
A
famosa Medicina da Praia Vermelha, logomarca de excelência no Ensino Médico.
Passei
no vestibular, me formei, fiz estágios em hospitais e, quando me senti pronto
para o exercício da profissão, retornei à minha cidade.
Mas,
não retornei sozinho. Levava comigo duas preciosas bagagens – a minha
Regininha, naquela época com vinte anos - e minha filha Mônica, no aconchego do
útero materno.
Deixei
a mala de papelão no Rio. O passado eu deixei no lugar dele, no passado. O meu
presente era composto por sonhos e desafios.
Regininha,
minha saudosa mulher, era nobre de nascimento e sentimentos. Era argentina -
brasileira. Possuía uma educação sofisticada, requintada, com grande vivência
urbana.
Eu
sabia que nos primeiros dias em Cuiabá todo cuidado seria necessário para
evitar o choque de culturas.
Longe
de mim, entretanto, imaginar que esse choque aconteceria na nossa primeira
noite em Cuiabá.
Nossa
casa era muito modesta. Não tínhamos ar refrigerado e o calor era impiedoso.
Regininha
preparou-se para dormir. Deitado na cama eu fiquei observando-a fazer suas
orações. Percebi algumas lágrimas silenciosas escorrem pelo seu rosto.
Sugeri
que abríssemos as janelas para refrescar o quarto. Ela assim o fez. Depois
apagou a luz, me abraçou forte e me beijou.
Considerei-me
um vencedor na condução da nossa chegada. Amanhã seria outro dia e outros
cuidados estavam planejados para a sua adaptação.
A
escuridão tomou conta do nosso quarto em companhia da calma noturna. Notei que
a Regininha estava com dificuldade para dormir.
Era
mais que natural! Fingi que dormia. Logo o silêncio do quarto foi quebrado com
um estranho barulho. Regininha imediatamente sentou-se na cama e acendeu a luz.
Com
extremo pavor perguntou-me o que estava acontecendo. Levantei-me da cama para procurar
o motivo, mas sabia que era de um inseto.
Muito
ansiosa ela ficou aguardando enquanto eu vasculhava o quarto.
Depois
de algum tempinho digo que não é nada, apenas uma barata voadora que tinha
entrado pela janela.
Assustada,
olhos arregalados, choramingando, trêmula, demonstrando muito sofrimento,
perguntou-me meio incrédula: “Aqui, barata voa?”.
Com
tranquilidade terapêutica respondi que sim. O choro tornou-se incontrolável.
Veio
então o diálogo maior da nossa vida!
-
Regininha, nós não mexemos nas malas. O avião que nos trouxe do Rio está no
aeroporto e vai decolar para o Rio às seis horas da manhã – falei com carinho.
Ela
escutou quieta e não disse nada. Perguntei-lhe então se queria voltar. Iria com
ela. Neste momento Regininha toma a decisão definitiva:
-
Eu fico aqui com você. Vou me acostumar - disse resoluta.
No
dia 07 de Setembro nasceu minha filha Mônica. Depois o Ricardo e o Fernando.
Três filhos cuiabanos, por decisão dela.
A
barata voadora foi a nossa grande recepcionista em Cuiabá, e acho que a grande
responsável pela família que formamos em terras cuiabanas.
Isto
porque, depois de uma barata voadora, o que mais poderia assustar a minha
Regininha?
Hoje
a minha corajosa esposa dorme o sono eterno em Cuiabá.
Partiu
cedo a minha Regininha!
Mas,
com toda certeza, da morada espiritual em se encontra, está velando, protegendo
e iluminando os caminhos de seus filhos e netos.
Obrigado,
barata voadora!
Gabriel Novis Neves
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