quinta-feira, 6 de junho de 2013

Prevenção

O Presidente da Associação Brasileira de Medicina da Família, Tiago Souza Neiva, publicou no Correio Brasiliense de 6 de maio de 2013 um artigo sobre a prevenção.
Por se tratar de matéria pertinente a todos nós, passo a transcrevê-lo.
Segundo o autor, o princípio que a prevenção é melhor que a cura é incontroverso. Ele questiona se a prevenção é mesmo o melhor remédio.
"Novos conhecimentos apontam para o fato de que a prevenção também pode causar danos.
Checapes gerais, exames envolvendo múltiplos testes em pessoas que não apresentam sinais ou sintomas de doenças - objetivando o achado de condições patológicas - são elementos comuns a sistemas de saúde em muitos países.
Esses exames, segundo recente artigo do conceituado Jama Internal Medicine, estão entre as razões mais comuns para a consulta a médicos nos Estados Unidos, com uma estimativa de que 44 milhões de americanos viram um médico anualmente entre 2002 e 2004.
Foram gastos cerca de US$ 322 milhões por ano com testes laboratoriais que nenhum consenso médico recomendou. É provável que testes de acompanhamento de exames de saúde gerais contribuam, substancialmente, para os estimados US$ 210 bilhões em gastos anuais com serviços médicos desnecessários, segundo o Institute of Medicine.
Para grande parte da população esses exames, intuitivamente, fazem todo o sentido.
Afinal, a prevenção seria a solução para uma vida saudável.
Entretanto, recente publicação do The Cochrane Collaboration, conceituada rede internacional de pesquisadores dedicada a fazer revisões da literatura científica a fim de prover informações mais adequadas para as decisões clínicas, mostrou que os benefícios de tais exames podem ser muito menores do que o esperado, assim como muito mais danosos.
Uma possibilidade de dano por checapes é o diagnóstico e o tratamento de condições que não são destinados a causar sintomas ou morte.
Esses diagnósticos serão, portanto, supérfluos, e acarretarão o risco de tratamentos desnecessários.
Segundo o The Cochrane Collaboration, foram identificados 16 estudos clínicos randomizados (com elevado nível de evidências) que incluiriam mais de 180 mil participantes e que compararam grupos de adultos, parte dos quais fizeram exames, enquanto outros não os fizeram.
Não houve efeito dos testes laboratoriais no risco de morte, seja devido a doenças cardiovasculares ou cânceres, assim como não houve efeitos em eventos clínicos ou outras medidas de morbidade.
A conclusão dos autores foi que checapes não são capazes de reduzir morbi-mortalidade, embora possa haver um aumento do número de diagnósticos.
Por conseguinte são, provavelmente, pouco benéficos.
Essas evidências, e tantas outras similares, que têm ressaltado o quanto o excesso de prevenção pode trazer benefícios duvidosos e com riscos aumentados, fortalecem um novo tipo de atitude médica - a prevenção quaternária,   termo cunhado por Marc Jamoulle, médico de família e comunidade belga, em meados de 1986.
O meio mais eficaz de se atingir a prevenção quaternária é ouvir melhor os pacientes - a chamada medicina baseada na narrativa.
Concluindo. A prevenção pode ser o melhor remédio somente nos casos em que exista uma relação forte e sustentável entre o médico e seu paciente. Uma relação de mútua confiança, quando a conduta médica é profundamente fundamentada no conhecimento específico.
De outro modo, pode ser o pior investimento na doença, não na saúde".

Gabriel Novis Neves
02-06-2013 

* Publicado simultaneamente no www.gnn-cultura.blogspot.com

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