segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Consultório de rua

Oferecer atendimento especializado a usuários de drogas que vivem em situação de vulnerabilidade social dentro de uma Van, e chamá-la de Consultório de Rua, é brincadeira de mau gosto.

A implantação de Consultório de Rua sustenta-se em iniciativas que deram resultados satisfatórios, no contexto nacional e internacional.

Como amigo de Chico Galindo peço a retirada urgente dessa peça publicitária das ruas de Cuiabá. O principal objetivo do Consultório de Rua, não é que os usuários parem de usar drogas ou aceitem participar de um tratamento, mas que isso seja uma conseqüência do trabalho feito com eles na rua, uma vontade que deve partir do indivíduo e não da equipe profissional. Caso o usuário opte por fazer o tratamento na instituição, esta deverá disponibilizar uma equipe de psicólogos e psiquiatras que o possibilite a participar de grupos terapêuticos.

Há pouco tempo tivemos na UFMT um seminário para discutir a formação do pessoal envolvido no tratamento dessa epidemia. Verificou-se, face à complexa missão de consolidar a rede SUS (Sistema Único de Saúde) e SUAS (Sistema Único de Assistência Social) de assistência ao usuário de drogas, que é necessário à preparação de uma equipe multidisciplinar, para então, e só então, partir para a execução das ações – com retaguardas especializadas.

É importante que o nosso prefeito ao executar as políticas do governo federal, ouça um pouco mais a sua equipe de saúde e entenda melhor as finalidades de um Consultório de Rua.

Cuiabá não possui, no momento, equipes multiprofissionais com formação sobre crack, outras drogas e familiares, suficientes para exercer este trabalho.

Este “consultório” recém inaugurado integra os seguintes profissionais: duas psicólogas, uma assistente social, uma enfermeira e dois “redutores de danos”. Médico que é bom, nenhum. E, qual a formação destes profissionais para a abordagem com a população em situação de rua?

Andando pelas madrugadas, encontro centenas de menores desnutridos, maltrapilhos e envelhecidos – todos sendo consumidos pelas drogas. Sem família e sem presente, vivem o momento de uma pedra.

Fico curioso para saber qual o tipo de abordagem é feita na Van, e como.

Sem o médico para constatar se o problema é a dependência química ou de alguma comorbidade psiquiátrica, fica difícil assistir a população de rua. Além do mais, são necessários outros profissionais com saberes inerentes ao cotidiano da rua.

Talvez conselhos para que parem com o vício e voltem para casa. Mas, muitos deles, ou não possuem casa nem família, ou simplesmente foram expulsos de seus lares.

E o que fazer com aqueles que possuem casa, família?

Noto et al (2003)9 em pesquisa realizada com crianças e adolescentes em situação de rua, verificaram em Cuiabá que 76,1% moram com a família e os motivos atribuídos para estarem na rua foram encontrar nesta a diversão, liberdade, falta de outra atividade.

É fácil imaginar o Consultório de Rua fingindo ter resolvido um problema, e voltar no outro dia, para continuar a farsa do atendimento. Ele não é e nem será o salvador da pátria.

Se a prefeitura colocar nos seus PSF uma pessoa capacitada para essa orientação e trabalhasse com a universidade nos diversos níveis para um trabalho médico-social, não precisaríamos passar a vergonha de cruzar com uma dessas Vans, lotadas de DAS municipais.

Duvido que alguma autoridade defensora da Van Consultório de Rua, teria coragem de levar um familiar ou pessoa querida para tratamento nesse verdadeiro espaço da loucura.

Prefeito Galindo, aproveite esse Consultório de Rua, coloque um médico, um antropólogo, um educador e, com essa equipe de saúde faça um pouquinho de saúde coletiva.

Ao invés de dar prosseguimento a esse tipo de atendimento, com a Van desfilando sua inutilidade pelas ruas de Cuiabá, mostre o seu poder político de criar em Cuiabá leitos para a assistência à saúde mental, especificamente aos usuários de drogas.

Sabe-se que o Ministério da Saúde financia através do SUS esses leitos, porém eles não existem em Cuiabá.

Sem eles o Consultório de Rua perde a sua finalidade, nos casos em que os usuários estão em risco de vida ou colocando a vida de outros em perigo. Não defendemos o confinamento desta população a internação compulsória, mas há casos que necessitam de atenção profissional do setor secundário e, por sua vez estes profissionais devem estar em sintonia com os demais da Atenção Básica.

Há necessidade da articulação dos Consultórios de Rua com a escola, a comunidade e a família.

Insistir com este programa em uma cidade que possui duas Escolas de Medicina, onde o SUS não funciona, é dar um tiro no pé.

Gabriel Novis Neves

16-11-2011

Um comentário:

  1. Amigo! pela absoluta pertinência do tema, que se estende e aplica a todo o nosso país, peço licença para transcrevê-lo em meu Blog COMPROMISSO CONSCIENTE, pensando na esperançosa possibilidade de sensibilizar, além de seu prefeito Galindo, TODOS os prefeitos desta nação, tão mascarada.

    Quando o crack entrou no país em 1985, NADA foi feito de lá até aqui, apesar dos esforços dos CONEM E CONFEM da época. A Cruz Vermelha se virou como pode (o que faz até agora). Dr. Kalina (argentino) que sempre defendeu tratamento, internação e acompanhamento ao usuário-dependente de drogas, passou/passa ainda agora por exposições até desrespeitosas na mídia, por aqueles que querem a liberação.

    PARABÉNS pela objetividade e precisão de TODAS as colocações.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.