quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Metamorfose

Após a viagem da minha mulher, minha vida foi se transformando.

Até há pouco tempo, era difícil me imaginar desempenhando uma diversidade de tarefas. Hoje transito com certa desenvoltura entre elas.

O trabalho aqui em casa era dividido. A educação das crianças era praticamente a única tarefa em comum. Nas demais houve uma distinção natural de responsabilidades.

No entanto, agora percebo que a Regininha, com a sutilidade e a força feminina, sempre invadiu a minha área no campo profissional e chegou a ter uma clínica invejável. Por outro lado, ainda hoje estou lutando para aprender o seu ofício.

Ofício esse que se ocupava de certas tarefas que ocorrem no privado doméstico.

Entretanto, o trabalho principal da Regininha transcendia a todas aquelas atividades - puramente mecânicas.

Desempenhava com perfeição a tarefa da dedicação afetiva. Amorosamente, com coragem, paciência e sensibilidade, ela soube sempre contornar os conflitos, que forçosamente aparecem numa família.

Hoje, com sua ausência, até que estou me saindo relativamente bem nas atividades mecânicas.

Tinha trauma quando a correspondência chegava com timbre da Receita Federal, Ministério Público e MEC. Boa coisa sabia que não era.

O mais difícil foi compreender a administração de uma casa de um só morador. A dosagem dos pedidos para o mercado, açougue, as contas do condomínio e outras colocadas em débito automático em banco.

O que fazer com os convites de aniversários, casamentos, formaturas, bodas e outras celebrações – minha grande dificuldade.

Pagamento do IPTU, IPVA, IR, Carnê Leão, condomínio, aluguel do consultório, jornais, associações, instituições filantrópicas e para simplificar a taxa anual do cemitério da estrada de Santo Antonio.

Os pequenos reparos da casa - tão frequentes -, como: lâmpadas queimadas, troca da pilha do relógio da cozinha, vazamento no banheiro, a televisão que pirou, manutenção dos aparelhos de refrigeração, pane no computador, a cortina que despencou, e por aí vai.

Com relação à parte afetiva do trabalho, ainda peco um pouco. Fico um pouco frustrado por não saber ainda contornar - com a sabedoria da Regininha – certos conflitos.

Por isso, resolvi me envolver com as plantas.

Li certa vez que as plantas são o “povo em pé”, e que oferecem uma vibração poderosa e curativa, com poder de equilibrar as nossas emoções.\

Sendo assim, resolvi assumir a manutenção do meu jardim – função que jamais passou pela minha cabeça. Procurei me inteirar de todos os aspectos para fazer das plantas minhas aliadas. Hoje, sou um jardineiro amador.
E, mesmo no amadorismo das minhas ações, as plantas retribuem a minha dedicação e carinho - estão viçosas, bonitas e saudáveis.

Além disso, com minhas plantas, nunca estou sozinho. Até converso com elas. É uma terapia muito boa. Elas me proporcionam um ambiente agradável e envolvente, e principalmente, têm o poder de me acalmar.

Todas essas ações eu fui levado a fazer e a aprender com a partida da Regininha. Deus na sua imensa sabedoria criou a sua obra prima, que foi a morte natural, prêmio para os bons, e Ele a levou.

Tenho que ficar mais algum tempo por aqui, pagando pedágio pelos meus erros.

Não reclamo, pois a escolha divina foi por merecimento, e a minha companheira de mais de quarenta anos, tinha mais méritos para deixar este ambiente em que vivo.

Todas essas transformações foi o maior legado que ela me deixou. Nessa metamorfose, consigo até escrever os meus sentimentos.

“No fundo, é isso, a solidão: envolvermos-nos no casulo da nossa alma, fazermos-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar.”

Obra de Deus.


Gabriel Novis Neves

01-11-2011

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