segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CUIABÁ FEDE

Um cheiro forte de coisa podre me acorda um pouquinho antes do meu horário habitual. Imediatamente, após escancarar a janela, faço um detalhado inventário no meu quarto tentando encontrar a causa material do desconforto olfativo. Revisto armários, gavetas, olho em baixo da cama, examino as roupas da cama, o solado do sapato e do chinelo, e nada. Vou ao banheiro, onde o rigor da auditoria é maior. Tiro os protetores dos dois ralos que dão saída à água do chuveiro e do sistema sanitário. De joelhos meto as minhas narinas nessas escavações para identificar se era dali a origem da fedentina. Nada. Tudo ok por aqui.

Vou à copa para o guaranazinho ralado. O odor era maior que no meu quarto. Abro portas e janelas para eliminar o mau cheiro e faço também uma inspeção pela copa e cozinha. Nada. Meu apartamento está limpo. Saio para a caminhada. Entro no fétido elevador – até ali o cheiro era perturbador.

Ao chegar à calçada do meu prédio a fedentina continuava. E foi aumentando à medida que eu percorria os quatro bairros do meu trajeto habitual – bairros considerados de elite e que concentram o maior PIB da cidade.

Encontro amigos caminhando em horários não convencionais para eles. Pergunto se estão sentindo a catinga que sinto. Respondem que fugiram de casa por causa do mau cheiro e já estavam arrependidos, pois na rua a poluição olfativa era mais intensa.

Nas proximidades do buracão aberto para a construção da Arena Pantanal para dois jogos da Copa do Mundo, encontro um varredor de rua. Pergunto a ele se por acaso saberia me dizer qual a origem de tamanha fedentina. Com o cabo da sua vassoura aponta para a direção onde diz estar situado o causador do desconforto, e me explica:

- Lá seodotô”, há anos está instalado um curtume. Conforme a direção do vento o fedor se dirige para cá. Hoje fomos sorteados. Vamos rezar para o vento mudar de direção, pois ninguém merece. Imagine o senhor se na época da Copa bater um vento desses na hora do jogo? No mínimo os estrangeiros irão pensar que nós peidamos durante as partidas de futebol!

- Não fale assim que é feio - disse ao limpador de rua.

- Então como que fala, seo “dotô”?

- Flatulência, respondi.

- Ah! Sei. Nominho difícil de falar né? Fico com o meu.

Lógico que eu estava brincando! Na verdade ninguém usa aquele termo. O mais comum é aquele mesmo usado pelo varredor de rua. Agradeço o esclarecimento e prossigo minha caminhada.

A seguir encontro um conhecido que foi logo reclamando do cheiro desagradável. Diz ele que na saída para Rondonópolis, a quarenta quilômetros de Cuiabá, tem um enorme curtume que o obriga a fechar os vidros do carro sempre que passa por lá. “O cheiro é exatamente igual a esse, o problema - continua ele - é que aquele curtume está bem distante do perímetro urbano de Cuiabá, e este está praticamente dentro da cidade.” Concordei com ele.

Retorno para casa com duas certezas: não tenho nenhum problema neurológico afetando o meu olfato e que ele, definitivamente, jamais se acostumará com a fedentina provocada pelo curtume de Cuiabá.


Gabriel Novis Neves (7.5+102)

16-10-2010

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