quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Doutor Sobral Pinto

Em 1953 freqüentei o cursinho pré-vestibular Gallotti no Rio de Janeiro. Gallotti era especialista em preparar jovens para o difícil vestibular de medicina. Na época existiam no Brasil apenas 23 escolas médicas. Hoje em funcionamento existem mais que 180. O cursinho pré-vestibular ficava em plena Cinelândia. Do ponto do bonde onde saltava, até chegar ao prédio do curso, fazia uma pequena caminhada. Neste percurso conheci pessoas ilustres da história do Brasil, como por exemplo, o ex-presidente da República, o cuiabano Eurico Gaspar Dutra. Artistas consagrados também transitavam por ali.

No cursinho tinha como colega um discretíssimo companheiro. Sentava-se sempre na última fileira de carteiras, fumava muito e nunca contou vantagem de nada. Sabia apenas ser carioca e estudioso. Passamos no vestibular para medicina da Praia Vermelha. Ficamos camaradas. No período das provas era comum um grupo de colegas se reunirem para estudar. Como morava numa pensão e alugava uma vaga no quarto, nunca pude convidar ninguém para estudar comigo. Certo dia, antes de uma prova final de embriologia, fui convidado por esse meu colega para estudar na sua casa. Ficamos umas seis horas revisando os pontos mais difíceis. Veio o cansaço e resolvemos parar para continuar no outro dia. Estava de saída quando o meu colega me apresenta ao seu pai. Ele estava sentado na ampla sala do apartamento, vestido de preto, bengala ao lado da poltrona e a Bíblia nas mãos. Quase perdi a fala ao vê-lo! Estava diante de um dos meus mais caros ídolos – o doutor Sobral Pinto.

Fiquei tão emocionado que esqueci tudo que tinha estudado de embriologia pela tarde-noite. Só me recordava do encontro com o velho advogado, defensor intransigente dos direitos humanos.

O doutor Sobral era um homem religioso, corajoso, honrado e ético. Dono de um caráter forte e determinado foi o ídolo da minha geração, e, até hoje, o seu exemplo de vida norteia a conduta de muita gente, a minha principalmente.

No auge da ditadura de Vargas, certa ocasião o Dr. Sobral foi ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), visitar um cliente. Enquanto esperava ser atendido viu uma cela improvisada em baixo de uma escada. No seu interior estavam presos políticos. Terminado o seu trabalho o doutor Sobral, extremamente revoltado, solicita ao governo de exceção que se aplicasse a lei de proteção aos animais, para aqueles presos! No mesmo depósito de presos encontrava-se Luis Carlos Prestes. O doutor Sobral todas as manhãs assistia missa na igreja do Largo do Machado, tendo como companheiros inseparáveis o pensador Alceu Amoroso Lima e o professor e líder religioso Gustavo Corção.

O doutor Sobral acima dos seus princípios religiosos apresentou-se como advogado voluntário, para defender o líder comunista Luis Carlos Prestes. Pela repercussão internacional do caso, em que um jurista do nível do doutor Sobral, cobrava que o governo da ditadura concedesse aos humanos os direitos dos animais, Prestes foi libertado e tornou-se amigo do religioso doutor Sobral.

Todas estas recordações me vieram à mente ao tomar conhecimento da indefinição da aplicação da Lei Ficha Limpa pelo TSE. Deu empate: 5x5. A impunidade reina nesta Nação. Todos os abusos morais cometidos por certos políticos, e com provas, são simplesmente esquecidos. Reina a mais absoluta impunidade para os ricos. Os pobres continuam sendo tratados como os animais, que um dia alguém lutou em sua defesa.

E no nosso estado? Como sinto falta do doutor Sobral! Especialmente para defender o único corrupto do nosso querido Mato-Grosso.


Gabriel Novis Neves (7.5+80)

24-09-2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.