quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mitos

Na Antiguidade Grega foram criados mitos majestosos, poderosos, misteriosos ou belos, e que fazem parte até hoje do nosso inconsciente. De vez em quando alguns emergem nas nossas divagações para dar algum sentido às nossas vidas. Poderia escrever páginas e páginas sobre esses mitos. Mas, os mitos a que quero me referir não são os da Antiguidade. São os mitos modernos. Aqueles criados com o objetivo único de confundir, enganar e manipular a mente dos menos atentos.

São tantos os mitos modernos! Mas vou falar de um mito que está sendo criado e que se encontra diretamente ligado à minha profissão de médico: excesso de médicos no Brasil. Em todas as esquinas e camadas sociais, o número excessivo de médicos no Brasil é falado como uma realidade provada e comprovada. Essa afirmação é um mito. Faltam médicos no Brasil!

Para facilitar a compreensão vou citar por regiões o número de médicos no Brasil e compará-lo com outros países. A Região Norte, com uma população de 15.359.608, possui um médico para cada grupo de 1.130 habitantes - esses dados são indicadores também de países africanos. O Nordeste, com população de 53.591.197, tem um médico para cada grupo de 968 - Singapura, para 714 habitantes tem um médico. Centro-Oeste, de 13.895.375 habitantes, tem um médico para 590 habitantes - o México tem um médico para 510 habitantes. O Sul com 27.719.118 habitantes possui um médico para 500 habitantes - os Estados Unidos tem um médico para 411 habitantes. O Sudeste, com população de 80.915.332, possui um médico para 439 habitantes - a França tem um médico para 296 habitantes.

Agora falando do nosso Mato Grosso. No cômputo nacional o nosso Estado só perde, na relação médico por habitantes, para SP, ES, TO, MG, RS, PR. Empatamos com RO. E pasmem! Ganhamos do DF, GO, MS, RJ, PE, RN, PB, CE, PI, SE, AL, MA, AM, RR, AP, AC, PA. A Bahia não forneceu dados para a pesquisa.

Pelos dados apresentados só poderíamos concluir que Mato Grosso tem um dos melhores sistemas de saúde do Brasil. Ledo engano! A realidade da nossa saúde pública é bem cruel. Mesmo estando entre os oito Estados com maior número de médicos por habitante, o povo sofre humilhado por falta de atendimento. Por quê? Culpa dos médicos? Dos gestores da saúde? Não. O grande responsável por esse relaxamento e descaso com a saúde pública é aquele que detem o poder de fazer alguma coisa, e não faz nada: o governo.

Culpado, sim! Não existe política pública nacional para a fixação do médico no interior do Brasil – o que acarreta uma sobrecarga nos Hospitais das Capitais, criando o triste e lastimável espetáculo da “ambulância terapia.” O governo usa a saúde pública para fazer politicagens e barganhas, como se pudesse barganhar com a vida humana. E o fator principal desse caos é a má gestão do dinheiro público – os escândalos frequentes estão aí para não me desmentir.

A falta de financiamento governamental cada vez é mais preocupante. Embora Mato Grosso seja um Estado riquíssimo, a saúde que o governo oferece a sua heróica população carente é paupérrima, para não dizer quase inexistente. Causa-me grande revolta saber que o governo possui inúmeros recursos disponíveis a favor da saúde da população, e, no entanto, a população padece. O povo trabalha, o governo atrapalha.

Num dos Estados onde o número de médico por habitante é considerável, a falta de uma política pública para redistribuir esses médicos pelo interior, é, no mínimo inaceitável. Os médicos até que tentaram mudar este quadro através de uma greve para exigir melhores condições de trabalho. Ouviu-se então, do autoritário governador da época (Ciro Gomes), o surgimento do tão revoltante mito: “Podem pedir demissão. Médico é igual sal: branquinho, existe em todo o lugar, e é baratinho.”

Os dados aqui apresentados foram publicados no Jornal do Conselho Federal de Medicina. A má distribuição de médicos no Brasil criou na população das capitais e outros grandes centros, o mito do excesso de médicos. Liquidem com este mito!


Gabriel Novis Neves

02/06/2010

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