domingo, 11 de setembro de 2011

CULTURA NÃO SE MEDE

Durante muitos anos cuidei da nossa UFMT. Às vezes era procurado para dar entrevista, que quase sempre terminava com a seguinte indagação: “o que o senhor está lendo atualmente?”

Todos esperam que os administradores de uma casa de ciência, tecnologia e cultura, tenham hábitos sofisticados de leitura.

Alguns mentem para não ficarem mal na fotografia.

Eu sempre falei a verdade. Na maioria das vezes respondia que, devido ao trabalho intenso para montar a Casa da Esperança, mal tinha tempo para ler as manchetes dos jornais, e as leituras intensas eram reservadas aos estatutos e regimentos.

Sentia o espanto, e até mesmo certo desprezo que essa resposta causava no meu interlocutor.

Na verdade esta pergunta é carregada de preconceitos.

Muitos traçam, equivocadamente, o perfil das pessoas baseados unicamente no que elas dizem que lêem.

Naquela época para ser politicamente correto os autores mais citados eram: Sartre, Marx, Mao e Fidel. Dos nacionais: Paulo Freire, Marighela e Frei Beto.

Na semana passada em uma conversa informal, alguém me perguntou: “o que você está lendo?” De imediato respondi: “Leila Diniz”, de Joaquim Ferreira dos Santos - publicado pela Companhia das Letras. Pequeno livro de 286 páginas.

A resposta causou tanta estranheza no meu companheiro que percebi ligeiras modificações faciais sinalizando um inquieto nervosismo.

Podem dizer o que quiserem do livro, sobre o meu QI, da minha sanidade mental. Mas a leitura, além de muito prazerosa, é educativa e mostra a vida como ela é.

Vejam esta pequena passagem do livro: “O menino da escola maternal, não mais de cinco anos, virou-se para a professora, e com ênfase adulta, a entonação exata, disse retumbante que estava muito zangado com ela: Sua bunda!”

A professora era Leila Diniz.

Muitos colegas de outros estados do Brasil vieram para cá nos ajudar a construir a UFMT.

Formaram-se em universidades em que o Reitor jamais tinha contatos com professores e alunos. Só aparecia “fantasiado” com a beca branca na “Aula de Sapiência”- marco do início do ano letivo - e na solenidade de “Colação de Grau”.

Chegaram à UFMT, no início dos anos 70, com essa imagem de um reitor.

Por ocasião do meu aniversário ganhei de um deles, um long-play de vinil do músico e compositor Milton Nascimento.

Pensaram com certeza: “o reitor tem hábitos magníficos, e o Milton é o magnífico dos nossos cantores.”

Concordo, o Milton é mesmo magnífico, porém ao chegar em casa, guardei a preciosidade e fui ouvir Jackson do Pandeiro, tão erudito na sua simplicidade!

Convidei a comadre Sebastiana, Pra cantar e xaxar na Paraíba, Ela veio com uma dança diferente, E pulava que nem uma guariba, E gritava: a, e, i, o, u, ipslone.”

Um famoso artista concretista disse-me certa ocasião que o belo pode ser rudimentar, desde que desperte as nossas emoções. Não precisamos de máscaras ou etiquetas para sermos considerados pessoas cultas.

A cultura não se mede ou pesa.

Gabriel Novis Neves

21/02/2010

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