sábado, 25 de junho de 2011

E eu chegando ao fim

Poucos se lembram dos versos musicados do grande poeta pernambucano Antonio Maria, imortalizados pela voz da cantora Nora Ney:

“Ninguém me ama

Ninguém me quer

Ninguém me chama

De meu amor.”

Essa canção é pré bossa-nova, da época em que predominavam as músicas dor de cotovelo.

A bossa nova apareceu depois, e falava do barquinho, Corcovado, chega de saudade, garota de Ipanema, etc.

Vivi essa transição - dor de cotovelo - com poesias de Vinícius de Morais.

Era o morro perdendo espaço na música popular brasileira para o poetinha e seus meninos universitários.

Conheci os famosos da dor de cotovelo, e aqueles que um dia seriam famosos da bossa nova.

“Ninguém me ama”, lembra-me muito a vida de um idoso saudável.

Pode parecer uma incoerência falar em idoso saudável, pois sabemos que o tempo vivido exige um preço, que pagamos com prazer, chamado de pedágio.

Se paga, e bem, pelo tempo vivido. É o único bem que não há incentivo fiscal e impunidade.

O idoso todo o dia acrescenta uma novidade farmacológica em sua cesta básica de medicamentos.

Quando a Nora Ney encerrava, com a sua voz grave de grande fumante - ... “E eu chegando ao fim”, o garçom logo era chamado com o pedido de mais um.

É difícil, dizia o Maria, chegar ao fim da vida sem ser amado. Ele dizia que ninguém o amava.

O poeta foi vítima dos seus versos e, aos 43 anos, morreu sozinho, vítima do seu sofrido coração, na mesa de um bar.

Sempre que enriqueço a minha cesta básica de medicamentos, como agora, lembro-me da Nora Ney: cigarro nos dedos, na alta madrugada das boates do Rio, cantando nas mesas dos retardatários, vítimas da dor de cotovelo - “Velhice chegando e eu chegando ao fim.”

Bons tempos aqueles, em que cotovelos doíam por um amor perdido, e o remédio era uma boate ouvindo canções especializadas para a cura dessas dores.

Sinto dores nos cotovelos e nos punhos, não por um amor que já perdi, mas por uma queda nas calçadas das ruas da Copa 2014.

Assim é a vida por onde caminhamos. Só paramos quando ELE determinar que chegamos ao fim.


Gabriel Novis Neves

17-06-2011

Um comentário:

  1. Continuo dizendo que, por vezes, o amigo me faz sorrir, tamanha seriedade nos seus textos! Aprecio esta maneira fina e irônica, por vezes: "Sinto dores nos cotovelos e nos punhos, não por um amor que já perdi, mas por uma queda nas calçadas das ruas da Copa 2014." Pura realidade, mas retratada de uma forma que faz sorrir! Tanta coisa desajustada neste nosso mundo! As obras da Copa, então! Tome sucupira!

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