Na minha infância, as casas, na sua maioria, eram cobertas por telhas de barro. Quando chovia forte sentia o borrifo no meu rosto adormecido, que era o salpicar das gotículas das águas da chuva que permeavam o artesanato de barro.
Era comum o aparecimento das goteiras. Meu pai tinha um pedreiro especialista em reparo de goteiras.
O “seo” Domingos do Baú, afrodescendente - para ser politicamente correto – era carismático e muito educado, além de exemplar profissional.
Eu sempre acompanhava com curiosidade o seu trabalho de restauração dos buraquinhos causadores dos borrifos.
Ao entregar o serviço realizado, meu pai pagava os honorários e perguntava: “tudo bem com o telhado?”
- Olha “seo” Bugre, só posso responder depois da próxima chuva.
A honestidade e a sinceridade exalavam dessa frase, que se tornou para mim uma referência na vida.
Mas, os tempos mudaram. Tanto as pessoas quanto os telhados das casas. Passamos a habitar casas e apartamentos com teto de lages.
Os pedreiros, especialistas em goteiras, praticamente desapareceram do mercado de melhor poder aquisitivo. E o gostoso borrifo é lembrança dos antigos.
Bem antigamente, era chique colocar um quadrado de vidro entre as telhas de barro para melhorar a iluminação do quarto escuro, e à noite, às vezes, ainda que por instantes, víamos a lua cheia com o cavalo de São Jorge.
Acho que vem daí a origem do ditado popular - “Todos temos telhados de vidros,” numa alusão romântica aos nossos defeitos.
Acompanho pela mídia essa disputa de poder, onde a arma utilizada é o arremesso de pedras no telhado dos adversários, e o objetivo é atingir o vidro e causar goteiras – no poder.
É um ato insano, pois todos ficarão com goteiras, e sem pedreiros especializados na sua recuperação.
O mundo de hoje está mais para furacão do que para borrifo de chuva forte.
Não há mais limites para as ambições pessoais, e são cada vez mais raras as casas de telhas de barro.
Os borrifos foram substituídos pela ambição sem limites.
Nostalgia daquela época do borrifo? Não. Tristeza com o momento que vivemos, onde quase tudo é conseguido com as mãos molhadas. Pelos borrifos? Claro que não!
Como seria bom se voltássemos à época dos telhados de barro!
Gabriel Novis Neves
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