terça-feira, 21 de junho de 2011

Fato relevante

No período de 1966-1985, exerci inúmeros cargos públicos. Ao retornar para as minhas funções privadas de médico e professor universitário, sempre que viajava, e me encontrava com antigos colegas, invariavelmente eu era questionado:

- E aí, montou alguma consultoria?

Respondia que não, para honrar a verdade.

A surpresa e a frustração eram evidentes nos semblantes dos meus colegas.

Até 2003, vivi intensamente a Medicina e o magistério. Depois da minha aposentadoria na UFMT, participei da implantação de um curso de Medicina em uma universidade privada (UNIC), e na aquisição e funcionamento do seu hospital universitário.

Nesse bendito ano, dentro da minha visão utópica, abandonei meus interesses pessoais para participar de mais um momento que, imaginava, seria histórico para nosso Estado.

Ocupei, num período menor do que uma gestação de nove meses, duas das principais secretarias do Estado.

Foi o tempo suficiente que precisei para encerrar definitivamente a minha carreira de gestor público.

Nesse curto período continuei recebendo visitas e telefonemas de conhecidos e desconhecidos, oferecendo-me consultorias.

Eram ex-ocupantes do primeiro escalão do governo, desconhecidos na área técnica, e políticos.

A pressão que enfrentei para contratar as consultorias foi enorme, com as mais variadas justificativas:

- Não preciso nada do governo, quero apenas ter uma oportunidade de ajudar o Estado! - Esta era a frase padrão.

O nosso cérebro funciona melhor que um computador de última geração. Consegue arquivar tudo que se passa com a gente durante vinte e quatro horas por dia.

Li, que R$ 2 bilhões, é quanto os governos da União, dos Estados e dos Municípios gastam juntos, por ano, com a contratação de consultorias.

Amarrei as pontas das perguntas que recebi como gestor público, e senti que deixei de ganhar um bom dinheiro, caso seguisse os conselhos dos meus colegas.

Ninguém me convencerá que o governo precisa comprar consultorias básicas.

No serviço público, nas universidades, nos ministérios, temos um número alto de pessoas altamente qualificadas e com títulos de pós-graduação - cobiça do setor privado.

Mas, os absurdos acontecem. Sai governo, entra governo, e ninguém tem coragem de corrigir essas anomalias.

Certa televisão produz programas educativos e vende para o MEC, Estados e Municípios.

Ninguém consegue tirar esse filé mignon da emissora.

Várias Universidades Federais têm pessoal técnico e equipamento para a produção dos programas educativos, mas uma força estranha desvia esse trabalho para a iniciativa privada.

É um fato pra lá de relevante passar a limpo essa indústria de consultorias que existe neste país.

Embora o assunto seja oportuno e relevante, tenho a impressão que não é um assunto importante, entretanto, por ano, o contribuinte colabora com modestos R$ 2 bilhões.

Gabriel Novis Neves

12-06-2011

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