sábado, 5 de junho de 2010

COMPARAÇÃO

Não gosto muito de fazer comparações, pois “uma coisa é sempre totalmente diferente da outra, a não ser quando as duas se assemelham.” Mas, não posso deixar de reparar – e comparar – como a lei é aplicada de maneira diferenciada entre a população.

Saí de uma experiência muito traumática com a doença da minha mulher, agregada a cinqüenta anos de consultório. Sei que somos tratados como desiguais, por exemplo, na saúde pública, ferindo a Constituição Brasileira que diz, que “A saúde é um dever do Estado, e um direito do cidadão.” Neste caso da saúde, a desigualdade é tamanha que reflexamente sinto a necessidade da comparação.

Os meios modernos de comunicação diariamente identificam os brasileiros diferenciados. São aqueles que quando adoecem não precisam marcar consultas nos postos de saúde. Operam sem respeitar a fila da Central de Regulação. Dificilmente acreditam na medicina oferecida a maioria dos brasileiros. Refugiam-se nos melhores hospitais dos grandes centros, entenda-se São Paulo, com médicos que não trabalham para o SUS ou Planos de Saúde.

O destino me fez perambular pelos ditos melhores hospitais do Rio de Janeiro e São Paulo, a procura do impossível. As despesas quase todas foram pagas com meu dinheiro. Para isso vendi um apartamento nobre em Cuiabá, e não me arrependo. O meu plano de saúde fez um reembolso dos serviços hospitalares, respeitando a sua tabela. Traduzindo, quase nada. Os medicamentos importados? Nem pensar em reembolso. A desculpa para os desiguais é que a ANVISA não tinha ainda aprovado a droga utilizada em todo o mundo humanizado. O interessante é que a ANVISA não se opunha a importação privada.

Todo cidadão, por mais humilde, na sua dor faz a comparação e sente a humilhação do desprezo. Tenho duas clientes idosas que possuem um plano de saúde igual ao de um general famoso. Acompanho o calvário dessas pacientes para os seus exames anuais. As consultas elas pagam do pequeno soldo que as viúvas de militares recebem. Esta semana, no retorno ao consultório para trazer os exames complementares, antes de quaisquer perguntas veio o desabafo. Com a revista ISTOÉ nas mãos, diz que a partir de hoje fará as suas consultas e exames médicos, no hospital mais famoso e caro do Rio de Janeiro. Lá as despesas são encaminhadas ao Ministério e pagas sem discussões. Leio a matéria, entendi a revolta da minha cliente e concordei com a sua decisão. Apenas alertei a minha amiga que o Ministério Público Militar está investigando o tratamento privilegiado. Terminei a consulta, com uma frase de André Guillois: “Um mosquito é uma pequena criação da natureza para nos fazer pensar melhor sobre as moscas”.

Gabriel Novis Neves
23/04/2010

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